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Pandemias e pandemônios

Suína ou mista, mexicana ou norte-americana, A ou H1N1? O novo vírus da gripe já está catalogado e batizado, ainda que não tenha sido consagrado. Engenharia genética estabelecida (combinação da gripe humana, aviária e suína), comprovada a sua incrível capacidade de incubar-se e contagiar, a sua letalidade ainda é uma incógnita.
Não se sabe, até o momento, se uma suposta “benignidade” da nova gripe não estaria mascarando um surto de extrema virulência como ocorreu na Europa em 1918 com a mortífera “Gripe Espanhola” (cujo nome também foi designado aleatoriamente).
O que está nítida é a capacidade da sociedade mundial em reagir com velocidade e determinação à calamidade. A localização em menos de dois meses do possível “paciente zero” (o menino Edgard Hernández de cinco anos, morador na cidade de La Glória, Estado de Vera Cruz), a eficácia da detecção e do monitoramento dos casos suspeitos revelam a existência de um articulado sistema mundial de alerta sanitário. 
Alentador. A Organização Mundial de Saúde (criada em 1948 por sugestão brasileira) é apenas três anos mais nova do que a sua matriz, a Organização das Nações Unidas e, sem frequentar as manchetes com a mesma assiduidade, é um estimulante exemplo de cooperação internacional. 
Ainda que no documento fundador da OMS a noção de saúde seja definida de forma abrangente (“um estado de completo bem-estar físico, mental e social, não consistindo somente na ausência de doença ou enfermidade”), sua atuação nas emergências infecciosas desvenda o potencial para armar poderosas redes preventivas.
Num mundo cada vez mais próximo e emaranhado, este tipo de sinergia desperta uma grande dose de otimismo. Porém, como corolário, aciona inúmeras apreensões. A solidariedade mundial para enfrentar a doença e a morte tem motivações venerandas, bíblicas, simbólicas, mas não se manifesta com a mesma determinação diante de outros fantasmas como o aquecimento global, talvez até mais mortífero e duradouro do que uma epidemia porque põe em risco a própria sobrevivência da humanidade.
Se as rivalidades e divergências internacionais podem ser superadas diante da iminência de uma peste global porque razão a sociedade de nações não consegue organizar-se para evitar os conflitos que ceifam milhões de vidas?
Se os surtos nacionalistas, patrióticos e religiosos produzem os conflitos bélicos e estes produzem os grandes surtos de doenças contagiosas (México e Criméia no século XIX, Europa em seguida à 1ª Grande Guerra de 1914-1918) somos obrigados a reconhecer o absurdo da condição humana, incapaz de estabelecer parâmetros mínimos de convivência para escapar do horror das guerras mas capaz de mobilizar-se para atenuar as consequências de epidemias geradas nos  seus escombros fumegantes.
Ao lado desta pandemia administrada tão disciplinadamente por médicos, pesquisadores e agentes públicos, recorta-se o espectro de um persistente pandemônio político agora agravado pelos catastróficos efeitos da crise econômica mundial. Não adianta fulanizar nem exacerbar ressentimentos apontando aquela meia dúzia de endiabrados homens-bomba que não carregam dinamite, mas para satisfazer seus egos não se importam em detonar todas as possibilidades de convergência.
O que chama a atenção é o contraste: cada novo surto, epidemia ou pandemia aperfeiçoa o nosso repertório de profilaxias, acompanhamentos e terapias. O contrário acontece depois de guerras e confrontações: suas sangrentas lições jamais são aprendidas, sequer encaradas. O fascismo teoricamente teria sido desmantelado em 1945 mas ele e todos os malignos ingredientes que o alimentaram não apenas na Itália, Alemanha, Espanha, Portugal e América do Sul, continuam ativos e agressivos.
As pandemias são consideradas extintas quando esclarecidas, mas os pandemônios mantêm-se latentes porque na ânsia de colocar um ponto final nos conflitos opta-se pelas cômodas reticências.

Alberto Dines é jornalista