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Opinião

Quatro damas britânicas

O império britânico sempre despertou as mais díspares paixões. Para bem ou para mal, as histórias narradas pelas paredes dos palácios da Inglaterra ao longo dos séculos, sempre renderam extraordinários argumentos para grandes filmes. Poder, amor, traição, conquistas, sexo e história são os grandes ingredientes para constituição política da monarquia mais sólida e – supostamente – gelada do planeta. Ao longo dos séculos, quatro grandes damas britânicas se destacaram – três rainhas e uma primeira-ministra – e suas biografias cinematográficas se tornaram sucessos retumbantes e clássicos instantâneos na telona.
 
Lançado em 1998, o filme “Elizabeth” consagrou o talento incontestável da australiana Cate Blanchett, absoluta no papel-título da obra dirigida por Shekhar Kapur. Conquistou crítica e público e lançou luz sobre o período conturbado da história britânica, no século XVI, quando a filha bastarda do rei Henrique VIII, com Ana Bolena, assume o trono após a morte da meio-irmã católica Maria I e dá início ao glorioso Período Elisabetano, conhecido como “A Era de Ouro”. No Oscar de 1999, Cate era a franca favorita ao prêmio de Melhor Atriz, onde estava indicada ao lado brasileiríssima Fernanda Montenegro (“Central do Brasil”) e de Meryl Streep (“One True Thing”), Emily Watson (“Hilary and Jackie”) e Gwyneth Paltrow (“Shakespeare in Love”). A estatueta dourada do cinema foi parar nas mãos da insossa Gwyneth, uma das maiores injustiças da premiação. Apesar dos delírios brasileiros de que Fernandona teria chances, a crítica era unânime quanto ao favoritismo e merecimento de Cate Blanchett.
 
Em 2006, o diretor britânico Stephen Frears foi brilhante ao conduzir a produção anglo-franco-italiana “A Rainha” (“The Queen”), protagonizada pela veterana Helen Mirren no papel de Elizabeth II em seu período de reinado mais dramático: a morte da princesa Diana e os dias que antecederam seu sepultamento, quando a monarquia da Grã-Bretanha quase caiu. A imersão da atriz na composição da personagem e sua caracterização davam ao espectador a real sensação de que Sua Majestade estava em cena. A academia hollywoodiana se rendeu à precisão e ao talento de Mirren, que faturou o Oscar de Melhor Atriz em 2007, único prêmio dado ao filme naquela noite, apesar das seis indicações. Ainda assim, o coadjuvante Michael Sheen foi esquecido apesar de sua bela interpretação do primeiro-ministro Tony Blair, o “gato sorridente e midiático”, como diria a rainha-mãe, interpretada por Sylvia Sims, outra desprezada pele Oscar.
 
Dois anos depois, em 2009, o império britânico voltou às paradas de sucesso com o filme “A Jovem Rainha Victoria” (“The Young Victoria”), do diretor canadense Jean-Marc Vallée. No papel-título, a talentosa atriz britânica Emily Blunt estava brilhante – em amplo aspecto – na difícil tarefa de humanizar a poderosa e conservadora rainha, que aos 17 anos de idade, viu-se diante de uma ferrenha luta por poder entre casas reais distintas e o parlamento inglês. O longa é magnífico. Mas a bela Emily, que já tinha ganhado aplausos por suas atuações em “O Diabo Veste Prada” (“The Devil Wears Prada”, 2006) e “O Clube de Leitura de Jane Austen” (“The Jane Austen Book Club”, 2007), foi solenemente ignorada pelo Oscar 2010, em outra incógnita decisão dos membros da academia. Engrossando o surreal caldo dos esquecidos – que sequer foram indicados ao prêmio – estão: Rupert Friend, impecável no papel do apaixonado príncipe Alberto de Saxe-Coburgo e Gota; Miranda Richardson como a ambiciosa e possessiva Duquesa de Kent; Harriet Walter (divina!) como a rainha Adelaide; e o veterano Jim Broadbent em magistral interpretação para o senil rei William IV.
 
Eis que, no próximo domingo, dia 26 de fevereiro de 2012, o Oscar de Melhor Atriz provavelmente será entregue à Meryl Streep por sua monumental interpretação da primeira-ministra britânica Margaret Thatcher, na produção franco-inglesa “A Dama de Ferro” (“The Iron Lady”, 2011), dirigida por Phyllipa Lloyd. Considerada a maior atriz de todos os tempos – 18 vezes indicada ao Oscar (venceu duas vezes, até hoje) e 26 vezes ao Globo de Ouro (venceu oito, incluindo o prêmio pelo filme atual, em janeiro) – “Meryl Streep é um assombro no papel”, como bem descreveu a crítica de cinema Isabela Boscov, da revista Veja, concluindo: “uma interpretação lapidar, cravando-a tanto nas minúcias quanto na imponência”. Se Meryl não levar a estatueta, teremos mais uma “oscarizada” injustiça, apesar do calibre de suas concorrentes: Glenn Close (“Albert Nobbs”); Viola Davis (“The Help”); Rooney Mara (“Millenium – The Girl With The Dragon Tattoo”); e Michelle Williams (“My Week With Marilyn”). Por absurdo, novamente o mestre Jim Broadbent não foi sequer indicado pelo papel de Denis Thatcher, o marido da extraordinária e complexa Dama de Ferro, alcunha histórica dos soviéticos para a convicta primeira-ministra.
 
Por fetiche ou curiosa paixão, por controversa ironia ou esnobe ilusão, o público sempre se rende aos encantos do luxo mazelar da monarquia britânica, seja na vida real estampada nas manchetes dos famigerados tabloides, seja em seus retratos cinematográficos, em geral polêmicos por findar pela humanização de figuras tão míticas. Não por acaso, a Sétima Arte reserva essas personagens aos seus astros mais brilhantes e talentosos. Cate Blanchett, Emily Blunt, Helen Mirren e Meryl Streep cumpriram com maestria a árdua empreitada de interpretar as quatro maiores damas britânicas que – cada uma em seu tempo – mudaram os rumos da história do Reino Unido e – por que não?! – da política mundial.

Helder Caldeira*
Escritor, Jornalista Político, Palestrante e Conferencista