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Racionalização do Habeas Corpus leva a ditaduras invisíveis

“Almas livres, corpos libertos”(?). Esta frase foi inspirada, sem a interrogação, na obra escrita por Cezar Britto, que, como tive a oportunidade de dizer ao autor, deveria ser leitura obrigatória de todo estudante de Direito e por que não dizer, de todos os advogados brasileiros. Em breve giro historiográfico ele nos permite descortinar com talento e criatividade a história republicana, a participação dos advogados naquele processo de transformação social, ao lado dos antecedentes de criação da OAB.

Foi naquela obra que me dei conta que ressalvado os excessos do Estado Novo, somente com o AI-5, no auge da ditadura militar brasileira e não antes, se teve a audácia de suprimir a garantia inalienável do Habeas Corpus. Nesse particular, trecho maiúsculo da peroração antecipatória de Raimundo Faoro, então presidente nacional da OAB, quando defendia que: “[…] Não haverá Estado de Direito nem segurança nacional democraticamente entendidos, sem a plenitude do Habeas Corpus que assegure a primeira das liberdades e base de todas as outras – a liberdade física […]”.[1]
Recentemente presenciei um diálogo, para mim surreal, entre ministros de uma Corte Superior e um defensor público, em júbilos comemorando a redução no número de impetrações de Habeas Corpus por parte da Defensoria Pública naquele tribunal. Confesso que não sabia se ria ou se chorava, mas preferi retirar-me da sessão com o sorriso amarelo da dor e da decepção, dor maior, porque tenho naqueles julgadores um referencial garantista.


Ao que se argumenta, pretende-se “racionalizar” o uso do Habeas Corpus. O pragmatismo da busca por redução de demandas nos Tribunais Superiores tem levado a “ditaduras” visíveis e invisíveis. Uma delas é a ditadura dos “fatos e provas”. Ora, como avaliar a aplicação correta/incorreta do direito, se não posso chegar perto do cenário fático-probatório delineado no feito? E o que dizer da ditadura da Súmula 7 do STJ, em causas penais?


Lendo o cuidadoso editorial do Boletim do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM), de fevereiro de 2013, com o título “Para onde caminha o Habeas Corpus?” Ultrapasso as ponderações coerentemente lançadas e vou direto ao ponto de um dilema que ali se apresentou: Sim, as particularidades brasileiras são condizentes com a amplitude conquistada ao longo dos anos! Basta que se acompanhe o funcionamento do sistema penal do nosso país.


Portanto, sob o argumento da “racionalização”, mina-se nas bases uma conquista histórica das liberdades, verdadeiro marco civilizatório incorporado e até então solidificado no Brasil, que, como se afirmou, em passado recente, apenas os Anos de Chumbo, precisamente, sob o manto odioso do AI-5, ousou-se limitá-lo e mesmo suprimi-lo.


O que se espera é que o tão desejado ponto de equilíbrio entre o “essencial” e o “excesso”, que representará uma verdadeira síntese dialética, que esse ponto traga ao Habeas Corpus uma importância revigorada e que isso venha acompanhado da superação da odiosa postura defensiva da jurisprudência “do exame de fatos e provas”, em um cenário pós-moderno, em especial na esfera das demandas de natureza penal, sob pena de se “civilizar” o Direito Penal e Processual Penal, aqui não em sentido positivo de civilização, mas o oposto disso, o de se “ordinarizar” e coalhá-los de obstáculos formais típicos e apenas aplicáveis ao tronco disponível, por essência, do Direito Privado.

*Bruno Espiñeira é advogado