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Opinião

Reforma equivocada

Não se pode negar que, quando se fala em Justiça no Brasil, a primeira coisa que vem à cabeça é o tormento da morosidade.
Não raras vezes pessoas deixam de demandar em juízo, desistindo de buscar fazer valer os seus direitos junto ao Judiciário, por ter a convicção de que o processo para esse fim levará anos para chegar ao seu termo final e que o resultado a ser alcançado não compensará o sacrifício a
ser feito no decorrer da ação.
Talvez esse raciocínio não esteja tão errado, visto que a prática, salvo poucas exceções, não tem demonstrado o contrário.  Todavia, equivocada está a conclusão tirada pela maioria das pessoas no sentido de que o Poder Judiciário é o único responsável pela malfadada morosidade da prestação jurisdicional.
Não se pode negar que a insuficiência de aparelhamento humano, a ausência de mínimas condições de trabalho, assim como a realização de péssimas administrações em alguns órgãos do Poder Judiciário brasileiro têm contribuído, e muito, para que o referido Poder não consiga, de forma efetiva, atingir o seu objetivo constitucional, que consiste em fazer cumprir as leis instituídas e dar a cada um o que é seu.
Todavia, quem conhece a legislação processual pátria sabe, perfeitamente, que o verdadeiro responsável pela morosidade e pela falta de efetividade das decisões judiciais não é o Poder Judiciário em si, ou mesmo a atuação algumas vezes deficitária de parte de seus membros, mas sim o fato de a legislação nacional colocar à disposição da parte, principalmente daquela mal intencionada, inúmeros expedientes processuais que lhe permite impedir que o processo no qual sairá perdedor ou de alguma forma prejudicado chegue ao seu termo final.
Infelizmente, no âmbito processual civil, a lei apresenta ao devedor uma série de maneiras de o mesmo postergar o pagamento de seu débito, ou mesmo de ver o seu patrimônio constritado para a garantia do pagamento daquilo que, há anos, sabe ser devido.
Da mesma forma, existe no direito processual penal inúmeras formas de o réu evitar o formal encerramento do processo a que responde e, com isso, fazer o feito caminhar até a ocorrência de uma prescrição. Ora, que culpa tem o Poder Judiciário, enquanto poder constituído da Nação, se o legislador pátrio quis estabelecer que o devedor, mesmo após ter saído perdedor no processo em primeira instância, pode, sem conseqüência penalizadora alguma, aforar diversos expedientes recursais,
visando apenas postergar o pagamento da dívida?
Da mesma forma, como pode ser atribuída ao Judiciário a culpa pelo fato de o réu poder valerse de um sem número de expedientes legais para impedir a efetiva aplicação da norma penal, fazendo prescrever a pretensão punitiva estatal?
É cediço que, em regra, não se pode debitar a alguém a culpa pela ocorrência de um fato para o qual esse alguém não tenha contribuído. Todavia, é exatamente isso o que hodiernamente acontece no Brasil.
Infelizmente, algumas autoridades constituídas e alguns órgãos da imprensa, não se sabe se por ignorância ou mesmo por má-fé, pregam à população menos instruída a necessidade de se efetivar uma reforma drástica no Poder Judiciário, taxando-o de moroso e pouco efetivo, sem
explicar que, na verdade, o principal fator que acarreta a referida morosidade é a existência de leis processuais equivocadas e mal elaboradas, que impedem a efetividade da função jurisdicional.
A população em geral não reclama, por exemplo, do fato de os crimes contra os direitos humanos serem julgados pela Justiça Estadual e não pela Justiça Federal, mas sim pelo fato de o processo penal, muitas vezes, demorar excessivamente para chegar ao seu fim, impedindo a aplicação de punição ao infrator, que se vale de infindáveis expedientes recursais legalmente instituídos, acarretando impunidade e aumento da criminalidade.
Cabe esclarecer que, nos termos em que está proposta e foi aprovada pelo Congresso Nacional, certamente a atual “Reforma do Poder Judiciário” em quase nada contribuirá para dar maior
celeridade e efetividade ao processo. Basta uma leitura simples de seu texto para chegar a essa conclusão. 
Não há dúvida que mudar a competência para o processamento de alguns delitos, alterar a forma de constituição dos Tribunais e criar mecanismos de controle externo de um Poder da Nação, quase nada contribuirá para dar uma solução mais rápida aos litígios apresentados à Justiça.
Da mesma forma, a criação de súmulas vinculantes somente servirá para abarrotar de demandas um dos órgãos do Poder Judiciário, qual seja, o Supremo Tribunal Federal, além do que tirará do magistrado de primeira instância a possibilidade de analisar devidamente o caso concreto colocado à sua apreciação, afrontando o princípio da livre convicção e contribuindo para a ocorrência de verdadeiras injustiças. Igualmente, não solucionará o problema da morosidade. Não há dúvida de que o que necessita ser rigorosamente reformada é a legislação processual brasileira e não o organismo responsável pela aplicação da lei.
Na prática, o que se vê é que a alteração constitucional denominada de “Reforma do Poder Judiciário”, na forma como foi aprovada, não virá reformar aquilo que efetivamente necessita de reparo.
Mesmo após entrar em vigor as normas constantes do texto atual da reforma, o devedor continuará tendo à sua disposição inúmeras formas de postergar o cumprimento da obrigação, assim como o réu ainda terá em suas mãos diversos expedientes legais que lhe permitirão furtar-se da aplicação da lei penal.
Assim, necessita a população em geral de ser devidamente esclarecida, sob pena de, mais uma  vez, ser enganada por discursos mentirosos, tal como ocorreu em pleito eleitoral de alguns anos atrás: ou reforma-se aquilo que realmente necessita de reforma, qual seja, as leis processuais que beneficiam em demasia os devedores e os infratores das leis penais, ou faz-se uma Reforma do Judiciário apenas de fachada, com o único intuito de enfraquecer um dos Poderes da Nação e, conseqüentemente, a democracia brasileira.

José de Andrade Neto, juiz de Direito