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Voragem dos privilegiados

As virtudes de um homem conhecem-se por suas ações, diriam alguns aforismos. Esquecem-se seus formuladores de que é necessário primeiramente elevar o pensamento e purificar as intenções, isto é, podem-se identificar vícios antes de qualquer aparência.
Os malfeitores acreditam que sustentam seus enganos sem maiores dificuldades, mas, cedo ou tarde, encontram em sua própria consciência a cobrança pelos atos inconsequentes e as ideias imprudentes.
Estadistas renomados – apesar de canalhas e devedores – têm reiterado o papel de alguns países como piratas e verdugos dos que menos podem e menos têm, a exemplo das práticas hediondas de Baby Bush e o massacre aos povos islâmicos, ainda em curso.
Como erros do passado reincidem, o grupo Al Qaeda faz pedidos frequentes ao governo de EUA para que retirem suas tropas – e as dos exércitos aliados – e deixem de intrometer-se na vida política de países islâmicos. As lágrimas dos civis vitimados pelas guerras têm sido impotentes para sensibilizar os "Cruzados" do século XXI.
Equívocos que se repetem insistentemente tendem a virar costume em política internacional.
Entre 1962 e 71, EUA contaminou os solos de Vietnã com o lançamento de um herbicida chamado Agente Laranja, que arrasou bosques, colheitas e tem provocado, até hoje, nascimentos com deformações. A única ameaça foi o tal do antraz naquele país, que ninguém encontrou.
É tão impostora a política exterior dos EUA que eles condenam e temem tudo o que já impuseram a outras nações, como ditaduras, armas químicas e programas nucleares. Aconteça qualquer tragédia no mundo todo desde que não se ultrapassem as fronteiras daquele país decrépito!
Enquanto bilhões de humanos – encarnados e desencarnados, almados e desalmados – que pairam sobre a superfície da Terra não se submetem à dieta putrefata do McDonald´s ou enchem o rabo da Intel ou da British Petroleum de dinheiro, continuarão massacrando tudo o que ameace a "liberdade" de consumo e até de expressão.
A vitória do ex-ministro de Defesa Juan Manuel Santos como presidente na Colômbia e a continuidade da política de "segurança democrática" de Álvaro Uribe, ou seja, o combate a guerrilheiros e ao crime organizado levam ao pé da letra o modelo de anulação da oposição.
Cobra-se a assessoria de estilistas na América Latina, uma vez que virou moda a acusação ao presidente venezuelano Hugo Chávez de coibir a livre expressão em seu país com o "fechamento" de meios de comunicação. Ele pode ser desafiador, mas não seria insano.
Devem ser frequentes, contudo, as erratas de rodapé no dia seguinte dos matutinos com a correção de que se trata de uma prerrogativa de Estado para a não-renovação de licenças de emissão, como houve com a RCTV, e não de medidas autoritárias.
É de se esperar de Chávez uma postura solidária com o povo iraniano e o repúdio às sanções covardes impostas por EUA ao território onde já prosperou a Pérsia. Instalaram-se novas fábricas para produção de leite na Venezuela em parceria com o Irã a despeito de pressões de uma "comunidade internacional" para o sacrifício de países rebeldes.
Conquanto distante de culpar os países pujantes dos erros cometidos por nós, latino-americanos, é necessário reconhecer que a forma como nossos países se inserem no mundo já nos provê de desvantagens colossais. O conformismo, a corrupção endêmica, o fetiche do crescimento econômico acima da distribuição de oportunidades ruem a esperança de poucos.
As atividades autênticas de resistência são estigmatizadas ou negligenciadas: os movimentos guerrilheiros, as reivindicações indígenas, as ações de organismos de interesse público, as propostas de democracia direta e participativa, as reformas constitucionais feitas por governos de esquerda porque ninguém faz barulho quando esta iniciativa é de conservadores.
A mediação das relações políticas por grupos comunicacionais que nada entendem disso ou que amparam algum candidato a cargo eletivo induz a um cenário depressivo de cidadania. Por isso se fala de "Partido da Imprensa Golpista" no Brasil e da Globovisión como emissora de televisão desestabilizadora na Venezuela.
Sejamos fiéis à consciência. O primeiro passo é escutá-la, portanto livres da voragem de quem se considera privilegiado neste mundo.
 
Bruno Peron Loureiro é mestre em Estudos Latino-americanos