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Congresso Nacional pode garantir direito à alimentação

Um dos efeitos práticos pretendidos com a proposta é tornar as ações de combate à fome e à miséria políticas de Estado

A luta em favor da PEC da Alimentação tem sido a prioridade da Frente Parlamentar de Segurança Alimentar e Nutricional. Para o deputado Nazareno Fonteles (PT-PI), presidente da Frente, um dos efeitos práticos pretendidos com a proposta é tornar as ações de combate à fome e à miséria políticas de Estado, que não poderão ser prejudicadas por mudanças de governos.

A Frente Parlamentar, em parceria com o Conselho Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e entidades da sociedade civil já realizaram diversas mobilizações em apoio à PEC, já aprovada em primeiro turno na Câmara. Nazareno Fonteles, médico e professor universitário em seu segundo mandato, fala da importância da aprovação da PEC e suas repercussões na sociedade.

O que é exatamente a PEC da Alimentação? Ou o que significa?

Segundo dados da Organização das Nações Unidas (ONU), enquanto a economia mundial produz alimentos suficientes para 12 bilhões de pessoas (duas vezes a população mundial), 826 milhões de seres humanos continuam sofrendo de desnutrição crônica e, a cada ano, 36 milhões de pessoas morrem de fome no mundo.

No Brasil, a Pesquisa Nacional de Amostragem Domiciliar, feita pelo IBGE em 2004, traçou um perfil sobre segurança alimentar no país e mostrou que em 18 milhões de domicílios brasileiros, nos quais viviam 72 milhões de pessoas, ainda existia insegurança alimentar.

Desses lares, 3,4 milhões foram classificados em situação de insegurança alimentar grave, ou seja, deixavam de comer por falta de dinheiro para comprar alimentos. Apesar de ser um dos principais direitos da pessoa humana, reconhecido em tratados internacionais, o direito à alimentação não está na nossa Constituição. A alimentação é um determinante indispensável da saúde humana, então, esse direito precisa ser citado na Constituição, como já ocorre com temas como moradia, educação e saúde. Quando o direito está explícito na Constituição, ele é mais fácil de ser cobrado.

Por exemplo, se uma criança está fora da escola, o Ministério Público aciona a prefeitura ou o Estado e consegue resolver o problema. No entanto, a ação do Estado é lenta quando se trata de resgatar o direito à alimentação para famílias que passam fome.

O que muda com a aprovação da PEC da Alimentação?

A aprovação fortalecerá todo processo de institucionalização do Sistema Nacional de Segurança Alimentar e Nutricional e o conjunto de políticas públicas em andamento, como também vai evitar retrocessos na sua continuidade.

Significa que como já temos leis como a Lei Orgânica de Segurança Alimentar (Losan), elas passam a ter uma espécie de âncora constitucional, o que facilita a cobrança aonde houver violação. Aprovada a PEC, prefeituras e estados vão avaliar com muito cuidado antes de pensar em, por exemplo, tirar a alimentação escolar, porque estaria ferindo a Constituição. Claro que é preciso aperfeiçoar as leis para exigir punições nos casos de violação de algum tipo de política que protege o direito a alimentação.

Histórica e culturalmente, acostumamos a ver a alimentação como um direito apêndice dos outros. Quando colocamos esse direito na Constituição dizendo que é para todos, crianças, velhos, homens, mulheres, índios, quilombolas, então temos que ter uma visão maior. Aprovar a PEC significa o coroamento de uma etapa da luta pelo direito à alimentação no Brasil. Isso assegurará à atual e futuras gerações, sobretudo aos segmentos mais pobres, o estabelecimento de políticas públicas permanentes e consistentes de segurança alimentar e nutricional, o que vai ajudar a banir a fome e a miséria.

Queremos concluir a votação da PEC com o segundo turno, antes da Cúpula Mundial da Alimentação, que vai acontecer em novembro em Roma e que terá a participação do presidente Lula. Mais de 190 representantes de países vão chamar a atenção das nações mais ricas e de todas as outras para o compromisso de acabar com esse flagelo da fome.

Porque a Constituição de 88 não incluiu esse direito no texto?
Isso foi uma falha ou uma lacuna da Constituinte que poderemos corrigir agora, 21 anos depois. Eu acho que a alimentação não foi incluída no texto em virtude de haver uma política muito forte do liberalismo, de tratar os direitos como mercadoria.

Não foi um esquecimento. Não havia visibilidade para o tema e as pessoas avaliaram que seria assistencialismo, como até hoje muita gente ainda pensa. Não havia de forma clara uma visão da alimentação como direito, como política pública e ainda hoje há pessoas que dizem assim: você quer dar comida de graça para todo mundo? A ideia de segurança alimentar é muito além da fome no sentido clássico, é do acesso permanente à alimentação.

A política de segurança alimentar é nova no mundo. Para consolidar essa visão da segurança alimentar ainda teremos que vencer muitas barreiras culturais.

E o trabalho da Frente Parlamentar?

O objetivo da Frente é apoiar a tramitação de propostas que ajudem a democratizar o acesso regular e permanente de todos os brasileiros a alimentos de qualidade e em quantidade suficiente. A frente é um instrumento dentro do Parlamento para dar visibilidade à luta pelo direito à alimentação.

Nosso objetivo é fortalecer e consolidar ações estruturantes como o Bolsa Família, a merenda escolar, os restaurantes populares, o fortalecimento da agricultura familiar, a economia solidária e as ações de educação alimentar, nutricional e para o consumo consciente, que estimulam a sociedade a combater a fome.

O que já vem sendo feito no Brasil para garantir o direito à alimentação?
Recentemente uma ONG inglesa, Action Aid, comparando 50 países, considerou a política melhor, nessa área de combate à fome e à desnutrição no mundo, a do Brasil. Então, é uma referência.

O Brasil ficou em primeiro lugar no ranking do combate à fome entre os países em desenvolvimento. Iniciativas como o Bolsa Família, programas de segurança alimentar e nutricional e outros foram apontados como fundamentais para comprovar a prioridade dada à questão pelo governo brasileiro. Então, isso é o reconhecimento de que o governo Lula está no caminho certo.

Programas como o Fome Zero, cujo êxito é hoje reconhecido internacionalmente, tem sido aperfeiçoado e consolidado. O programa da alimentação escolar, que passou a garantir alimentação também para o ensino médio como já existe no ensino fundamental. Além de ter universalizado, criou uma ponte para fortalecer a agricultura familiar, porque quem produz mais alimentos no Brasil são os pequenos.

Então, essa lei diz que no mínimo 30% dos recursos do governo federal repassados para alimentação escolar têm que ser para adquirir produtos da agricultura familiar, inclusive assentamentos e quilombolas. Isso significa um apoio para as comunidades mais vulneráveis, inclusive à fome. Essa, na minha opinião, é a política de maior avanço do governo Lula.