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Dramas pessoais impulsionam luta contra impunidade policial e violência em presídios do ES

A morte mais recente no presídio de Viana ocorreu ontem (18)

“Esse é o meu filho que adorava me roubar um beijo. E os marginais fardados continuam matando.” O desabafo, aos prantos , é de Maria das Graças Nacort , uma comerciante de 59 anos que há quase dez, em 20 de junho de 1999, perdeu o filho Pedro Nacort, então com 26 anos e sem antecedentes criminais. O jovem foi executado com 22 tiros por quatro policiais no centro de Vitória.

Com a foto do filho nas mãos, ela ainda transparece a dor e o inconformismo que a levaram a fundar a Associação de Mães e Familiares de Vítimas da Violência no Espírito Santo (Amafavves), entidade responsável pelas recentes denúncias de degradação e mortes violentas nos presídios do estado.

“É um tremendo descaso do Estado. Porcos vivem melhor que os presos da Casa de Custódia de Viana. São torturados e vivem soltos no pavilhão. Caem fezes nos presos do pavilhão de baixo, quando dão descarga no de cima”, descreve Maria das Graças. “Eu sei que não vou consertar o mundo, mas não vou aceitar coisas erradas na minha frente.”

A situação da Casa de Custódia de Viana, na Grande Vitória, e de outros presídios do estado motivou um pedido de intervenção federal por parte do Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária.

A Amafavves tem documentados com fotos de pelo menos dez esquartejamentos no presídio de Viana, sem que ninguém tenha sido responsabilizado. São imagens de corpos mutilados, inclusive com órgãos internos e vísceras soltas, em caixas do Departamento Médico Legal (DML).

“Quando você está preso, fica sob custódia do Estado. O Estado deveria proteger, mas aqui parece que é o contrário. Temos muitos presos mortos e corpos que nunca apareceram. Há familiares de presos que dizem que lá dentro cortam os corpos e misturam as partes ao lixo para serem trituradas”, afirma Maria das Graças.

A morte mais recente no presídio de Viana ocorreu ontem (18). José Antonio dos Santos, 43 anos, preso por furto, teria sido assassinado por colegas de pavilhão e teve o corpo encontrado com diversas escoriações.
Também há denúncias de tortura na casa de detenção. A violência policial ou a praticada por quadrilhas que dominam pavilhões são, para a Amafavves, frutos de uma mesma semente em um estado marcado historicamente pelas mortes bárbaras.

“A única coisa que temos organizada no Espírito Santo é o crime. Não tem lei nem Justiça. Os maus policiais continuam matando e aproveitam a presença do tráfico de drogas para simular trocas de tiros. Tem final de semana aqui que acontecem 40 homicídios, sem contar os enterrados em cova rasa que a gente nem vê”, ressalta Maria das Graças. “Vemos corpos cortados e pergunto: como essa pessoas [os presos] conseguem armas capazes de separar o tronco de uma pessoa? Entram arma, celular e bebida [nos presídios], e não é pelos parentes, que são todos revistados.”

No seu drama pessoal, a dirigente da Amafavves chegou a viver três semanas se passando por moradora de rua para conseguir informações sobre os policiais que assassinaram seu filho caçula. Pedrinho, como é chamado pela mãe, era lavador de carros, sofria de disritmia crônica e tinha saído de casa para comprar cigarros . No próximo dia 27, dois dos quatro policiais envolvidos no crime serão julgados no Tribunal do Júri. Um dos acusados é conhecido como Diabo Loiro. Fotos revelam perfurações em todas as partes do corpo de Pedro Nacort.

“Até hoje espero meu filho. Se a campainha toca, queria que fosse ele chegando. Sei que infelizmente jamais vou recuperar meu filho. Mas quero que eles [os policiais] não saiam do Fórum para a casa tranquilos com a certeza da impunidade”, diz Maria dos Graças.

Assim como Maria das Graças, há várias outras mulheres no Espírito Santo dispostas permanentemente a protestar contra a violência que se abateu sobre familiares, trabalhadores ou presos. A coragem de denunciar a violência policial e as omissões do Estado já renderam, segundo a Amafavves, ameaças de morte a essas mães e companheiras. Elas já foram a Brasília levar seu grito, mas dizem só receber promessas vazias de autoridades.

“Nem que eu tenha que pagar com o meu sangue, mas para me calar vão que ter que me matar”, promete Maria das Graças.