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Não vai ter golpe

No país dividido entre a favor ou contra o impedimento da presidente da República, Dilma Rousseff, há, pelo menos, uma unanimidade: de que não vai ter golpe. A presidente diz e repete que não vai ter golpe que possa culminar com a queda de seu governo. Seus seguidores a imitam no refrão de que não vai ter golpe. Ministros do Supremo explicam que não vai ter golpe; deputados da comissão do impeachment demonstram que não vai ter golpe. Um diplomata aloprado mandou circular ao mundo, do Itamaraty, dizendo que vai ter golpe. Aloprados na avenida Paulista pedem que tenha golpe. 

E a presidente diz aos correspondentes estrangeiros que está tendo golpe, o que explica porque o diplomata não foi demitido. Enfim, quem não é aloprado percebe que não vai ter golpe.
Isso já não é novidade porque, afinal, em 1992, tiramos Fernando Collor na lei e na ordem, sem golpe, mesmo com mais de 35 milhões de votos ainda frescos. Naquela época, nenhum cara-pintada quebrou uma vitrina; nenhum general lustrou a espada. 

Foi tudo dentro da Constituição, como ressaltava o principal partido pelo impeachment, o PT. Collor alegava o mesmo que Dilma hoje: não havia cometido nenhum crime. Na verdade, o Supremo o absolveu de crimes comuns, depois que o Senado o havia condenado e cassado o mandato de presidente por praticar crimes contra o país. E agora o presidente do Supremo, ministro Levandowski, afirma que o regulamento baixado pela Corte apenas repete o ritual do impedimento de Fernando Collor.

Por fim, não vai ter golpe também porque o Exército não permitirá, se houver algum grupo que quiser golpear a Justiça e o Legislativo – poderes que estão acima do Executivo. 
Numa rara manifestação, o Comandante do Exército avisou que a crise política, econômica e moral conta com a atuação da Força com base na Constituição e nas leis, com vistas à estabilidade das instituições, sempre legitimado pela credibilidade que conquistou. 

Ou seja, ele também repete que não vai ter golpe.

Usando o verbo no futuro, talvez nos queiram fazer esquecer que na realidade o verbo  deveria estar no passado, porque golpe já teve. A economia do país já foi golpeada, as contas públicas foram golpeadas, os bancos públicos golpeados, a Petrobras foi golpeada, as relações entre governo e empreiteiras foram golpeadas, a renda dos assalariados foi golpeada, o emprego foi golpeado e 54 milhões de eleitores foram golpeados pelo engodo da campanha pela reeleição. Golpe já teve. Não vai ter.