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PF fecha cerco contra cigarreiros e desmantela núcleo de policiais corruptos

Operações Managers e Cem Por Centro, deflagrada hoje (05), são fruto do compartilhamento de informações sobre a máfia

Com o apoio da Polícia Rodoviária Federal (PRF), a Polícia Federal (PF) cumpriu dezoito mandados de busca e apreensão e dez de prisão para atacar a máfia cigarreira que atua em Mato Grosso do Sul e distribui cigarros paraguaios para as regiões norte, nordeste, centro-oeste e sul do Brasil. As ações das operações Managers e Cem Por Cento foram possibilitadas através do compartilhamento de informações obtidas durante as operações Nepsis, Trunk e Teçá, todas realizadas nos últimos dois anos.

Cinco policiais rodoviários federais lotados no Estado foram presos. Um deles faz parte do órgão há 26 anos, dois há 24 anos, um há 21 anos e outro há 9 anos. O policial com 21 anos de experiência na área já havia sido preso por envolvimento com a máfia do cigarro, porém foi liberado pela justiça no ano passado. Dos outros cinco mandados, apenas dois foram cumpridos. Três gerentes do contrabando estão foragidos. As ações foram realizadas em Naviraí, Jutí, Eldorado, Mundo Novo, Japorã, Rio Brilhante, Nova Alvorada do Sul, Dourados, Campo Grande e Umuarama, no Paraná.

Crime organizado

A polícia descobriu que as organizações mandavam várias carretas de cigarros ilegais e utilizavam os policiais envolvidos para fazer ‘vista grossa’, ou atrapalhar o trabalho de outros servidores enquanto o contrabando era realizado. Os managers, gerentes em inglês, faziam a ligação entre os PRFs e os chefes da máfia, como uma espécie de intermediadores, daí o nome de uma das operações. Já o nome Cem Por Cento, deriva do código utilizado pelos policiais para avisar aos contrabandistas se havia, ou não fiscalização nas rodovias.

Good cop, bad cop

A máfia usava a expressão americana, policial bom e policial ruim, para identificar aqueles que cooperavam com o crime. Os policiais bons eram os que passavam informações aos cigarreiros, já os ruins eram os servidores honestos. Inclusive, todas as ações contra a máfia nasceram a partir da denúncia de um policial que foi convidado para fazer parte do esquema, mas negou reportando e dando informações privilegiadas a corregedoria da PRF. O esquema contava com indivíduos que ocupavam a função de gerentes, comandando as redes de transportadores, batedores, olheiros e fazendo contato com os “garantidores”.

“Em 2016, um policial rodoviário federal foi convidado para fazer parte do esquema criminoso e, além de negar a participação, ele teve a coragem de procurar a corregedoria trazendo elementos suficientes para começar a investigação conjunta, que resultou na operação Nepsis”, explicou o superintendente da PF em Mato Grosso do Sul, Cleo Mazotti.

A operação Nepsis, dividida em três fases, teve 35 prisões preventivas e 12 afastamentos de policiais civis, militares e rodoviários federais. Na época, a polícia descobriu que a máfia já havia movimentado 1,5 bilhão em cigarros, distribuídos em aproximadamente 1.200 caminhões.

Em dezembro do ano passado, após pedido do Ministério Público Federal (MPF), a Justiça Federal e o Departamento Penitenciário Nacional decidiram transferir dois dos presos na Nepsis de Mato Grosso do Sul para o presídio federal de Mossoró, no Rio Grande do Norte. No pedido, o órgão argumentou que havia fortes indícios de que os acusados já haviam voltado a atuar no crime, mesmo presos, e que havia o risco de fuga, ou tentativa de resgate por parte da máfia.

Um vereador da cidade de Riacho dos Cavalos, na Paraíba, foi um dos alvos. Na época, a polícia apreendeu um caminhão registrado no nome do parlamentar lotado de cigarros contrabandeados. Ele foi apontado como responsável por receber as cargas e realizar a distribuição na região nordeste.  Um dos presos em MS era o responsável por ‘recrutar’ policiais para o esquema criminoso.

Em agosto de 2019, foi deflagrada a operação Teçá, a maior realizada no ano passado. Foram cumpridos 33 mandados de busca e apreensão e 40 de prisão. “ Foram apreendidas 40 carretas de cigarros e 62 pessoas foram presas. A soma das apreensões foi de R$ 140 milhões”, completou Mazotti. O superintendente explica que as apreensões, aliadas as operações, diminuíram drasticamente o número de cigarros apreendidos, o que é algo bom, já que mostra a efetividade das ações da polícia.

Apreensões

Dados da PRF dão conta que em 2018 foram apreendidos 38.674.200 maços de cigarros. Em 2019, o número caiu para 16.954.940. Neste ano, o número de maços apreendidos é de 2.897.860. Ou seja, levando em consideração que cada maço contém 20 cigarros, em três anos, a força policial de Mato Grosso do Sul conseguiu tirar de circulação do mercado 1.17 bilhão de cigarros.

Prejudicial à saúde e a economia

O delegado chefe da Polícia Federal, Nilson Zanzarini Negrão, lembra que além dos danos a economia devido à sonegação de tributos, o cigarro paraguaio também é mais prejudicial a saúde. “Tem um estudo que revela que o cigarro paraguaio é vinte vezes mais prejudicial à saúde que o brasileiro. Não há vigilância sanitária. O contrabando de cigarros propicia a corrupção de policiais, cria barões do crime na fronteira, que impõem sua justiça à força. Há muitas execuções na área de fronteira ligadas a este tipo de crime”, comenta.

Consumo

Em 2018, o consumo de cigarros ilegais superou o do comércio legal. A pesquisa realizada pelo Instituto Brasileiro de Opinião Pública e Estatística (Ibope) aponta que no ano foram consumidos 106,2 bilhões de cigarros no Brasil, dos quais 54% eram ilegais, vindos principalmente do Paraguai. O preço foi apontado como um dos maiores atrativos para os consumidores. Na contramão, um estudo do Instituto Nacional de Câncer (Inca), realizado no ano passado, pontuou que o consumo começou a cair em 2018. Na análise do instituto, os cigarros contrabandeados estão perdendo pouco a pouco espaço para os cigarros legais.

Campo Grande

Cada vez mais competitivos, os cigarros legais têm cada vez menos diferença de preço em relação aos contrabandeados. Há quatro anos, era possível encontrar o Fox, o queridinho do mercado ilegal, até por R$ 1,50. Hoje, ele varia entre R$ 3,00 e 3,50. Na comparação com os cigarros tabelados mais baratos como: Camel e Chesterfield, que saem a R$ 5,50 e R$ 6,00, a diferença observada é cada vez menor.

Interrogação

Toda essa problemática traz a luz questões importantes sobre o tabagismo no Brasil. Como evitar a entrada de cigarros ilegais com mais efetividade ao mesmo tempo que a política de saúde e tributária brasileira quer aumentar a carga de impostos sobre o produto? É possível subir impostos ao mesmo tempo que se deseja impedir a preferência dos consumidores pelos ilegais?

O superintendente Cleo Mazotti lembra que uma mudança de pensamento da população poderia contribuir para enfretamento ao comércio ilegal. “O contrabando de cigarro não é um crime de menor importância, por exemplo, na comparação com o tráfico. Ele é um crime extremamente pernicioso, que enriquece organizações criminosas, que ataca a saúde pública. É importante levar essa mensagem a sociedade, sobre o quanto isso é prejudicial em todos os âmbitos”, finalizou.