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Um caso de carisma

A presidente da República acaba de proferir a seguinte sentença, enquanto combatia no sábado, mosquitos e mosquitas: “Eu acredito que o país, a América Latina e o mundo precisam de uma liderança com as características dele.” Ela se referia ao papa Francisco, você haverá de imaginar. Ledo engano. Referia-se a Lula. No dia anterior, havia prometido defender o ex-presidente, mas exagerou nos elogios. Depois, calou-se a respeito. Seus acólitos explicam que é melhor que Lula se defenda por si, porque é muito convincente. 

Lula tem carisma, mas exagera sobre si tanto quanto Dilma exagerou. Seus discursos nos fazem pensar que nada existiu no  período entre Pedro Álvares Cabral e Lula. Outras vezes, admite a exigência de Getulio Vargas e Juscelino, para se comparar com eles. Durante muito tempo a maioria dos brasileiros concordou com isso. Porque a maioria quer um líder carismático, um condutor. Getúlio foi o pai dos pobres; JK, o que fez 50 anos em cinco; Jânio Quadros, o que chegou com a vassoura para varrer a corrupção.

O perigo do líder carismático é que esperamos muito dele; depositamos nele todas as esperanças e esquecemos de depositar esperança em nós mesmos. Damos-lhe poder muito além dos freios da democracia e se não for equilibrado, como Kubitschek, pode ser tentado a acreditar que tem poderes acima do que é permitido pela lei. Se não for habituado ao império da lei pode ser tentado a agir como um imperador. 

Em âmbito menor, um reizinho em seu reinado que pode ser a Câmara Federal, o Senado, alguma autarquia  ou empresa pública. Borges de Medeiros reinou assim no meu estado, o Rio Grande do Sul, por 35 anos, com retidão e mão de ferro.

Mas, o perigo maior, no país de Antônio Conselheiro, Padim Cícero, coronéis de bença e beija-mão e outros santos, é a canonização de certos políticos, como estivessem acima do bem e do mal e são seguidos como uma questão de fé por milhões de eleitores obedientes, fanatizados por sua ingenuidade e escravos da necessidade de proteção por alguém todo-poderoso. 

Enquanto não nos livrarmos dessa dependência, continuaremos achando que os que estão acima de nós são deuses que tudo podem porque pairam sobre todos e tudo, inclusive acima da lei.

*É jornalista e comentarista político