Veículos de Comunicação

Junho Prata

Alerta: violência contra a pessoa idosa faz quatro vítimas por dia em MS

No mês de enfrentamento aos crimes contra a pessoa idosa, os dados são alarmantes e convidam à reflexão sobre o tema

No mês de enfrentamento aos crimes contra a pessoa idosa, os dados são alarmantes e convidam à reflexão sobre o tema - Karina Anuciato/CBNCG
No mês de enfrentamento aos crimes contra a pessoa idosa, os dados são alarmantes e convidam à reflexão sobre o tema - Karina Anuciato/CBNCG

As estatísticas sobre a violência contra a pessoa idosa têm chamado a atenção das autoridades em Mato Grosso do Sul. Neste ano, de janeiro até agora, a Polícia Civil registrou 535 ocorrências no Estado.  O número de casos supera os da violência doméstica contra crianças e adolescentes e revela que medidas públicas são urgentes para punir os responsáveis e coibir esse tipo de crime. 

Em 2022 foram registradas 1.454 denúncias de violência contra a pessoa idosa, de acordo com o Ministério dos Direitos Humanos e Cidadania. Em 47% dos casos, os crimes ocorreram na casa da vítima.

 A violência contra essa parte da população vulnerável inclui abuso físico, psicológico, financeiro e negligência. O advogado e presidente da Comissão dos Direitos da Pessoa Idosa da OAB/MS, Nelson Alfonso, explica que, além de políticas públicas, é necessária uma mudança de cultura.

Diante desses números, o senhor acredita que haja sub-notificação de casos?
Nelson Alfonso
Há, sim, uma subnotificação. E isso é fácil de ser percebido, pois quando nós olhamos os dados estatísticos de violência contra mulher, por exemplo, não está classificado contra a mulher idosa. Quando a violência está classificada agressões contra a pessoa com uma deficiência, não está classificada como uma pessoa idosa. A coleta de dados  é realmente muito importante para compreendermos a real situação e, nesse sentido, acredito que pode haver um incremento, uma melhora na coleta desses dados. Outra questão importante  é onde essas vítimas podem fazer as denúncias. O Estatuto da Pessoa Idosa, que é de 2013,  diz por exemplo que os funcionários públicos que recebem demandas, seja de saúde, seja social, quando percebeu algum tipo de violência, têm o dever de notificar. Mas, se ele não percebe, ele não notifica. Não significa que a violência não esteja instalada ali. Então, a porta de entrada, realmente, das denúncias, está nesses espaços, nessas ferramentas públicas e está também nas igrejas. É muito comum que o agressor  permita que a pessoa idosa vá no seu culto, vá no seu local de oração, sozinho? E quando essa vítima cria um vínculo com algum estranho, ela acaba revelando o seu sofrimento. É aí que essa pessoa faz a comunicação e o caso chega até os órgãos fiscalizadores.

Estamos no mês de enfrentamento à violência contra a pessoa idosa. O que precisa ser feito, enquanto sociedade, enquanto indivíduo, para que haja mais respeito por essa população?  
Nelson Alfonso
A Educação é a base para isso. A sociedade precisa compreender que todos vamos envelhecer. Não se pode continuar ignorando o processo de envelhecimento. Muitos só compreendem o processo de envelhecimento lá na frente, quando precisam usar um óculos, quando a capacidade de trabalho é reduzida, quando precisam tomar um medicamento de forma contínua, ou quando perdem um ente querido, de uma forma às vezes abrupta. É aí que se diz: “puxa, a minha vida está chegando na finitude, meus familiares, meus amigos estão indo”. Então, precisamos olhar com muito amor, com muito respeito ao próximo, e tudo passa pela educação. Quando nós falamos de política pública, de direitos das pessoas idosas, nós estamos falando de direitos de todas as pessoas, de trabalhadores e também de crianças e mulheres. Nós estamos falando de todas as pessoas. Aonde existe um ser humano, em que ele se diferencia dos animais, todos têm os mesmos direitos, independente da pele, da sua idade, da sua capacidade de trabalho, e assim por diante. Precisamos tratar com muita resiliência, com um olhar muito aberto para a questão que a pessoa idosa não é diferente de você amanhã.  Envelhecer é ter dignidade, ser premiado, chegar no seu ambiente de trabalho e poder contribuir para passar conhecimento, mas tudo isso precisa de educação. Primeiro, para que a empresa, muitas vezes, reveja alguns dos seus instrumentos para que essa pessoa idosa também possa passar conhecimento. A idade não é redutora da capacidade intelectual, a idade não émais finitude. Precisamos enfrentar os tabus e quebrá -los. 

Muita gente tem dúvida sobre qual a idade correta para ser considerada para uma pessoa idosa, 60 ou 65 anos de idade? 
Nelson Alfonso
A idade oficial no Brasil é de 60 anos. Se fala em 65 anos porque foi fixada essa idade para que se tenha direito à gratuidade no transporte intermunicipal e outros benefícios. Atualmente, se a gente levar em conta um trabalhador ou trabalhadora rural na faixa entre 40 e 50 anos, a gente percebe que, biologicamente, essa idade por conta do trabalho exercido, contribui, sim, para o envelhecimento. Então, a sociedade também precisa refletir nesse sentido, de que fatores cotidianos também influenciam e antecipam a velhice. Aliás já existem vários artigos da área da medicina comprovando isso. 

Pelo menos 16% da população idosa é analfabeta ou analfabeto funcional. Esse fator também está ligado aos casos de violência?
Nelson Alfonso
Infelizmente. Em 2023 e 2022, o perfil da população idosa no Brasil, que foi vítima de violência, é de mulheres, na maioria, com renda abaixo dos dois salários mínimos, ou mesmo sem renda. E, grande parte dessas pessoas tem no máximo, o ensino fundamental incompleto. Onde é que a política pública está atuando? Para aquele que tem maior qualificação ou para o que tem menos? A gente vê ações pontuais, vamos valorizar, mas precisamos ampliar. Sem ampliação desses direitos, nós não vamos conseguir avançar em nenhuma das políticas públicas. Então, a quantidade de pessoas idosas e trabalhando que continuam no mercado de trabalho, se deve ao fato de que a reforma previdenciária não foi boa e a reforma trabalhista também não foi boa. Se não trabalhar na velhice, não vai conseguir ter dignidade em pagar a sua alimentação, ter um pouco de segurança. São poucos, dentro desse cenário, que estão trabalhando porque adoram o seu trabalho, porque tem expertise, porque são incentivados pelo seu empregador a fazer transferência de conhecimento. 
 

Sobre a campanha ‘Junho Prata’. Até que ponto o senhor acredita que esse movimento contribui, de fato, para reduzir a violência contra a pessoa idosa? 
Nelson Alfonso
Isso tem tocado a sociedade de forma a mudar e a contribuir para uma mudança de comportamento. É muito importante, sim, esse tipo de campanha. Precisamos ampliar, ter tentáculos para que as informações verdadeiramente cheguem até as pessoas, no sentido de orientar e até mesmo como educação. Além disso, os serviços públicos, além dos de saúde, devem estar onde a população idosa está, serem regionalizados, pois muitos estão em espaços públicos distantes, de difícil acesso à pessoas idosa. Nós precisamos regionalizar o atendimento. Sem isso, sem a rede, nós não estaremos levando a informação correta e a motivação para que as denúncias cheguem até as autoridades que podem tomar providências adequadas.