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Três Lagoas

"Criminalidade está no aumento do consumo de drogas"

O viciado furta, rouba e até mata para conseguir dinheiro ou outro bem que possa ser trocado por drogas

O Jornal do Povo entrevistou nesta semana o delegado da Polícia Civil, Vítor José Fernandes Lopes (52). Ele integra a primeira turma de concursados da Polícia Civil do estado de Mato Grosso do Sul, quando também ingressaram na carreira de Delegado de Polícia, Carlos Roberto Giacomelli, Luiz Ricardo de Lara Dias, Frank George Corpa e o saudoso Fernando José Machado (“Jotinha”), falecido em acidente urbano de trânsito, pilotando motocicleta, quando exercia mandato de vereador. Hoje, Vítor Lopes é titular da Delegacia Regional de Três Lagoas, Delegado de Classe Especial e membro do Conselho Superior da Polícia Civil do estado de Mato Grosso do Sul.

Na entrevista, o Delegado Regional comenta sobre o aumento da criminalidade, não só em Três Lagoas, mas em todas as cidades da região do Bolsão, no Estado e em todo o País. Segundo ele, a principal causa do aumento dos índices de criminalidade está no “consumo de drogas”. Para ele, “o câncer da criminalidade está no aumento do consumo de drogas”, porque, na sua visão e experiência de Delegado de Polícia, para sustentar o vício, a pessoa furta, rouba e até mata para conseguir dinheiro ou um bem que possa ser trocado por drogas.

JP: Desde quando o senhor pertence ao quadro de Delegados da Polícia Civil de Mato Grosso do Sul.

Vítor: Nasci em Araraquara (SP) e em 1977, ingressei na Polícia Civil do estado de São Paulo, como escrivão. Cheguei a trabalhar na Capital de São Paulo e também em cidades do interior paulista, sempre como escrivão de polícia. Quando houve o desmembramento do estado de Mato Grosso, pela Lei Complementar nº31, assinada em 11 de outubro de 1977 pelo então presidente da República, general Ernesto Geisel, criando o novo estado de Mato Grosso do Sul, comecei a interessar-me por este novo Estado da Federação, alimentando um sonho de crescer junto profissionalmente. Para tanto, acompanhava sempre o Jornal dos Concursos Públicos para ver se surgia alguma oportunidade.

JP: E como surgiu o primeiro concurso para Delegado de Polícia?

Vítor: Demorou em torno de uns seis anos, até que foi publicado, em 1983,  o edital do primeiro concurso da Polícia Civil do recém-criado estado de Mato Grosso do Sul. Queria crescer junto com o novo Estado, mas percebia que havia muita resistência do pessoal, até então nomeado. Eles queriam que o concurso fosse aberto apenas aos que já estava trabalhando, para que fossem efetivados, mesmo não possuindo qualificação. Delegado, Inspetor, Escrivão, Agentes e Agentes de Telecomunicação eram todos nomeados naquela época, sem concurso público.

JP: O senhor se lembra de alguns nomes, colegas seus, que participaram deste primeiro concurso?

Vítor: Sim, são muitos. Maioria deles veio do estado de São Paulo. Entre eles, vale destacar os que trabalharam ou ainda trabalham em Três Lagoas: Carlos Roberto Giacomelli, Luiz Ricardo de Lara Dias, Frank George Corpa e o saudoso Fernando José Machado, o Jotinha, falecido quando exercia mandato de vereador, em acidente de motocicleta, entre outros.

JP: Como é a carreira de Delegado de Polícia no MS?

Vítor: O ingresso na carreira de Delegado é através de concurso público, dividido em provas de conhecimento e de curso de formação específica na Academia de Polícia, por mais ou menos quatro meses. Nesse período, o candidato é submetido a provas de aptidão física e outras e passa por estágio. Se não atingir as metas pré-estabelecidas, está sujeito a ser cortado, porque o curso de formação específica é parte integrante do concurso público. Só após essa fase, já como Delegado de Polícia, é designado para trabalhar.

JP: Qual foi a sua primeira atividade como Delegado de Polícia?

Vítor: De imediato, fui designado Delegado titular da Delegacia Central de Paranaíba, em 1984, onde permaneci por um ano e meio. Por eu possuir experiência anterior de policial civil, deram-me logo essa importante responsabilidade. Esta primeira fase da minha carreira foi rica em experiências que me valeram muito no decorrer dos anos. Foi nessa época que houve um sério conflito de terras em lugar chamado Indaiá Grande, desmembrado de Paranaíba e hoje Distrito de Cassilândia. Para chegar lá, para elucidar o conflito agrário que resultou em cinco homicídios, tivemos que percorrer uma distância de mais de 400 quilômetros.

JP: Como veio parar em Três Lagoas?

Vítor: De Paranaíba, fui transferido, também como delegado titular, para Três Lagoas, em novembro de 1985. Naquela época, existia apenas a Delegacia Central e a Delegacia Regional da Polícia Civil.
A Delegacia de Polícia funcionava em prédio residencial, na esquina das avenidas Elói Chaves com a Rosário Congro. Só eu, como Delegado, era concursado, os demais eram todos nomeados. Eram pessoas dedicadas e com boa vontade, mas sem o mínimo de experiência policial. Com a nomeação, o pessoal recebia um revólver e uma carteirinha funcional e tornava-se policial de um dia para o outro.

JP: Como era formada a Delegacia de Polícia daquela época?

Vítor: Tínhamos um Delegado, Inspetores de Polícia, Escrivão, Agentes e Agentes de Telecomunicação, porque usávamos muito o telegrafo, como comunicação. Com o tempo, começaram a surgir os concursos públicos. Todo o pessoal nomeado foi obrigado a participar do concurso para não correr o risco de ser exonerado. Além dos que conquistaram o benefício da estabilidade, porque tinham mais de cinco anos de serviço, os demais tiveram que participar das provas de seleção. Com a extinção das duas categorias funcionais de Inspetor de Polícia e de Agentes de Comunicação, eles tiveram possibilidade de optar por outras funções dentro da Polícia Civil. Os inspetores e então agentes passaram a Investigadores de Polícia Judiciária. Os outrora agentes de telecomunicação tiveram oportunidade de optar por Escrivão ou Investigador.

JP: Quais eram as principais ocorrências policiais daquela época?

Vítor: A Cidade era mais pacata que é hoje com o acelerado desenvolvimento industrial e comercial. As pessoas se conheciam pelo nome e isso facilitava muito o esclarecimento dos crimes. A maioria das ocorrências era relacionada a desentendimentos, lesões corporais, brigas, provocadas, na sua maioria, por embriaguez. Existiam também pequenos furtos, mas eram raros os roubos. Os crimes mais sérios eram decorrentes dos conflitos de terra. No Estado, existiam muitos conflitos agrários, casos de grilagem de terras, problemas de posse ilegal de terras. Apareciam muitas questões de escrituras falsas. Os problemas de terra geravam graves situações conflitantes. Para defender seus direitos, os pretensos proprietários de terra e os legítimos donos chegavam a contratar pistoleiros para resolver as questões pessoalmente. Com isso, a maioria dos crimes de homicídio, que aconteciam na época, era ligada à questão da posse de terras.

JP: Como era a estrutura física e funcional da Delegacia, quando o senhor veio para Três Lagoas?

Vítor: Era muito precária. O imóvel era residencial e impróprio para ser uma Delegacia de Polícia. Tínhamos apenas uma cela improvisada e uma Cadeia Pública, onde hoje é a escola da Apae. As viaturas também eram precárias. Tínhamos um Fusca, um Jipe, um Gurgel e um Chevrolet Opala. Todos em péssimas condições de uso. Eu me lembro que passamos por um vexame quando da escolta do Governador da época, na visita que fez a Três Lagoas. Na escolta, soltou uma das rodas dianteiras do Opala. Sorte que ninguém se feriu.

JP: Como existia apenas uma Delegacia de Polícia, o movimento era grande?

Vítor: Como estávamos vivendo no Regime Militar, era comum, principalmente nos finais de semana, a Polícia Militar conduzir muita gente para a Delegacia. Na abordagem e revista do pessoal nas ruas, em bares, bailes e outras festas, todo aquele que não portava documentos pessoais e, principalmente, a Carteira de Trabalho, estava sujeito a responder por vadiagem. Chegavam normalmente dezenas e dezenas de presos à Delegacia e a gente tinha que fazer a devida e cautelosa triagem. Como éramos uma Cidade, ainda relativamente pequena, tudo era também mais fácil e rápido. As pessoas se conheciam pelo nome e logo tínhamos as referências necessárias para soltar o pessoal. Eram raríssimas as prisões.

JP: É verdade que, naquela época, o povo pedia licença para fazer até festa de aniversário na própria casa?

Vítor: Ainda hoje, as pessoas mais antigas pensam que é obrigado pedir o alvará, como o povo dizia, “o alvarau”,  para qualquer tipo de festa, mesmo que fosse na própria casa, com um reduzido número de amigos. A lei era essa. Qualquer reunião de pessoas, em qualquer que fosse o local, exigia a permissão da Polícia. Isso perdurou por algum tempo. A autorização era solicitada por escrito na Delegacia.

JP: A que o senhor atribui o aumento repentino dos índices de criminalidade em Três Lagoas?

Vítor: Infelizmente, esta é a realidade que temos que enfrentar, não só em Três Lagoas, mas em todas as cidades do Estado e em todo o País. Em Três Lagoas, particularmente, a Segurança Pública também sofreu os impactos do acelerado crescimento industrial e empresarial. A questão de Segurança foi uma das mais impactadas com o desenvolvimento, porque não conseguimos acompanhar o aumento da população. O progresso obteve índices bem superiores aos que conseguimos dentro da própria estrutura das polícias, a começar pelo hoje reduzido quadro de pessoal. O quadro é incompatível com o crescente volume de serviços que a Cidade exige.

JP: A criminalidade aumentou com a vinda repentina de milhares de trabalhadores?

Vítor: As estatísticas mostram essa triste realidade, mas é oportuno frisar que a autoria dos crimes não era dos que vinham de fora para trabalhar em Três Lagoas. Aconteceram penas alguns casos, mas a maioria foi praticada e continua sendo praticada por gente daqui. O que acontece em Três Lagoas está acontecendo em todo o País. O câncer da criminalidade está no aumento do consumo de drogas. Para sustentar o vício, a pessoa furta, rouba e até mata. A grande maioria dos crimes está direta ou indiretamente ligada ao tráfico e consumo de drogas. Aqui está o grande problema que a sociedade terá que enfrentar. É uma questão de ordem social que precisa de urgente solução e de medidas educativas e preventivas sérias.

JP: Por que, de uma hora para a outra, houve mudanças drásticas nos crimes, que, até há bem pouco tempo, eram apenas pequenos furtos e brigas?

Vítor: Infelizmente, o pessoal daqui é que “se aprimorou”, na prática da criminalidade. Eles migraram de uma atividade criminal, de pequenos furtos e roubos individuais para a formação de quadrilhas para a prática de assaltos, sequestros, cárcere privado, roubos de veículos. Hoje o maior problema é a ação do crime organizado, que chega a ser comandado de dentro dos Estabelecimentos Penais. Enquanto não criarmos instrumentos para impedir o uso de telefones celulares nos presídios, teremos gente agindo e comandando o crime, mesmo preso. Com isso, fica difícil conter o avanço da criminalidade.

JP: Como as Polícias Civil e Militar estão reagindo para enfrentar o aumento da criminalidade?

Vítor: Na Regional de Três Lagoas, assim como em todo o Estado, graças à mudança de mentalidade dos comandos da PM e dos diretores da Polícia Civil, existe pleno entrosamento para a execução de ações conjuntas que têm obtido ótimos resultados, como a que ocorreu recentemente na autuação de 25 pessoas, em uma única operação, ligadas à pratica do crime.
É importante que a população saiba que as atribuições da Polícia Militar e da Polícia Civil são distintas. É verdade que a população não quer saber disso, quando precisa da polícia, mas existem diferenças de atuação. A Polícia Militar é preventiva e ostensiva. Por isso usa farda, viaturas caracterizadas e armamento bem visível. Cabe à PM desenvolver ações que intimidem a ação dos criminosos e previnam a criminalidade. A Polícia Civil, constitucionalmente, é judiciária, apura o crime, quando ele já aconteceu. Cabe a ela dar a resposta à sociedade e apresentar o autor do crime ao Ministério Público para que seja processado e julgado pela Justiça. Para isso, tanto o MP como o próprio Juiz exigem provas de que o autor que nós apresentamos, após concluído o Inquérito Policial, praticou realmente determinado crime. Isso exige tempo, pessoal, estrutura e outros recursos para acelerar a investigação. Para reunir todos os elementos da prova leva tempo, exige o cumprimento rigoroso da legislação. Apesar da população exigir pressa para ver a Justiça sendo aplicada, a Polícia Civil tem que ser legalista e obedecer a todos os trâmites legais, antes de prender e apresentar alguém como autor de determinado crime.

JP: Como está hoje a Delegacia Regional, no que diz respeito ao pessoal?

Vítor: Recentemente, houve a necessidade de remanejamento de pessoal. Continuamos com problemas, que deverão ser solucionados com o término do concurso da Polícia Civil. Em comum acordo com a Diretoria Geral da Polícia Civil, tivemos também remanejamento de Delegados. Os resultados foram notadamente positivos. As mudanças são sempre boas, porque dão novo ânimo, quebram a monotonia e evitam vícios.