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Entrevista

Decisão da Justiça Federal em MS abre precedente de jornada para todo o país

Trabalhadores com filhos que necessitam de cuidados especiais podem ter redução de jornada com base na legislação - Divulgação
Trabalhadores com filhos que necessitam de cuidados especiais podem ter redução de jornada com base na legislação - Divulgação

Recentemente a Justiça Federal, em Campo Grande, assegurou a um escrivão da Polícia Federal do estado a redução da jornada de trabalho em 50% para acompanhar a filha que tem paralisia cerebral e necessita de cuidados diferenciados. Na decisão, a Justiça considerou o direito à vida, à saúde e à dignidade da pessoa humana, além da Lei 8.112/90 que trata do horário de trabalho especial.

O autor informou que é pai de uma criança com paralisia cerebral, epilepsia, hipotiroidismo e espectro autista, e necessita de tratamentos médicos e terapêuticos especializados, além do acompanhamento para auxiliá-la no desenvolvimento. 

O caso ainda será analisado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) e já é uma jurisprudência para ser usada em casos de trabalhadores regidos pela CLT. Para aprofundar o assunto, conversamos com o coordenador do Núcleo de Direitos Humanos da Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, o defensor público Mateus Augusto Sutana e Silva.

Existe alguma lei brasileira assegurando claramente algum direito trabalhista aos pais de filhos com deficiência ou necessidades específicas?  
Mateus Sutana A Lei 8.112/90, que baseou decisão da Justiça que estabelece o regime jurídico dos servidores públicos federais e contempla a redução da jornada desses servidores federais, ou seja, de pais de crianças ou de cuidadores de crianças que possuem algum tipo de deficiência. E isso não é um benefício, não é a favor do cuidador. É algo que se deve assegurar pelo benefício que traz à pessoa com deficiência, à criança com deficiência. 

Nesse caso, quem cuida de alguém com deficiência é uma pessoa extremamente necessária na rotina desse dependente. É isso que a Justiça leva em conta? 
Mateus Sutana Exatamente. É importante garantir os direitos do dependente. E, no caso do Transtorno do Espectro Autista, há toda uma dificuldade dessa criança para se adaptar com outras pessoas. A partir do momento que surge essa previsão na Lei, começa uma batalha judicial tanto dos servidores públicos como também celetistas. E a jurisprudência tem caminhado favoravelmente à essas decisões. A gente tem, por exemplo, duas decisões do TST aplicando por analogia à Lei 8.112, já que a CLT não fala especificamente desse tema E eles aplicam por uma lacuna da CLT os ditames da Lei 8.112 para servidores públicos ou pessoas ligadas à CLT, que tem origem jurídico-seletivo e, em tese, não se aplicam ao regime estatutário. Igualmente o Supremo Tribunal Federal também reconheceu, em série de repercussão geral, e isso vai valer pra todos os casos do Brasil de forma vinculante, o que vai trazer segurança jurídica pra todo mundo. Agora,  vai ser discutida lá no Supremo a possibilidade de redução da jornada de trabalho de servidores públicos que tenham filho  dependente com deficiência.

E qual o entendimento quando o empregador aceita reduzir a jornada do trabalhador mas também reduz o salário? Isso é correto?
Mateus Sutana Não, isso não está certo. A Lei 8.112/90 garante a redução da jornada sem prejuízo do salário, porque a gente não pode entender que isso é um benefício para o servidor. O servidor não está de férias, ele está ali cuidando de alguém que precisa. A legislação brasileira, de uma forma geral, leva a esse entendimento. 

Como os pais de crianças com deficiência podem assegurar esses direitos? Devem procurar o Ministério Público, a Defensoria, ou um advogado particular? 
Mateus Sutana O primeiro ponto é tentar administrativamente resolver a questão.  No serviço público, é preciso fazer um requerimento administrativo ao gestor solicitando esse direito. Em caso de negativa, e a pessoa se enquadrando nos parâmetros para atendimento, ela pode procurar a Defensoria Pública, um serviço 100% gratuito. Não podemos tolerar nenhum direito a menos. É importante se empoderar, pois essa discussão encontra-se já no Supremo. Meu recado para os pais é esse: não tenha medo, lute pelos seus direitos, porque você não está lutando pelo direito de ficar em casa, mas pelo direito de cuidar mais do seu filho, esse é o grande propósito.