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Três Lagoas

?É mais fácil morrer de bico do que em serviço?

?Geralmente o policial morre no bico, não é na função, como por exemplo, atuando como segurança particular?

 

O tenente coronel Washington Geraldo Fernando de Oliveira, 45 anos, comandante do 2º Batalhão da Polícia Militar, responsável pelas unidades de Três Lagoas, Selvíria, Brasilândia, Água Clara e Santa Rita do Pardo, é um apaixonado por livros e por treinar Jiu Jitsu, a ponto de ter um saco de pancada em seu gabinete. No atual momento está lendo “A autobiografia de um Yogue”, que conta a vida de Paramahansa Yogananda, considerado um clássico da literatura religiosa. Um dos livros que mais gostou de ter lido foi a Segunda Guerra Mundial, escrito pelo primeiro ministro britânico, Winston Churchil.
Atua há 23 anos como oficial da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul. Antes de seguir essa carreira, era músico, tocava saxofone numa banda de Corumbá, chegando inclusive a animar festas e carnaval da cidade. Sua maior experiência profissional foi ter participado da Missão da Paz da ONU (1994/1995), em Moçambique, onde atuou um ano e dois meses. Nessa entrevista ao Jornal do Povo ele fala um pouco sobre sua experiência, os desafios de combater a violência em Três Lagoas e sugere qual seria o correto mecanismo para punir os adolescentes infratores.

 


“Geralmente o policial morre no bico, não é na função, como por exemplo, atuando como segurança particular”

“Costumo dizer que o bandido, quando se veste de uma função, seja policial civil, militar, juiz, promotor, político, é o pior bandido”

“Então a legislação tinha que perseguir o usuário. Tinha que ser muito drástica com o usuário”



JORNAL DO POVO – O senhor tem mais de 20 anos de Polícia Militar. O que o levou a seguir essa carreira?

WASHINGTON  GERALDO FRANCISCO DE OLIVEIRA –  Era um garoto, morava em Corumbá. Apareceu o concurso. Na época eu tinha um bisavô que tinha sido militar e ninguém mais tinha sido da minha família. Então teve um momento na minha vida de saber como é que era. Fiz o concurso, passei muito bem colocado e estou aqui até hoje.

JP – Qual foi o seu maior desafio, quando acabou ingressando na Polícia Militar?

WGFO – O maior desafio foi ter saído de casa, porque eu fui criado por avó. Todo indivíduo criado por avó é meio mimado, então, para convencer minha avó que eu ía embora de Corumbá para São Paulo, fazer uma academia militar, foi bem difícil. Ela chorou. Aquela confusão toda, mas no final foi bom até para ela.

JP – A Polícia Militar costuma ser muito criticada pela sociedade. O que acontece afinal? Como está essa polícia, enfim a credibilidade dela?

WGFO – Ninguém gosta de ser mandado por alguém estranho. Na nossa família mesmo a gente enfrenta esse tipo de problema, com os pais, com os irmãos. Geralmente a gente quer ter idéias próprias e não quer ouvir a voz da razão muitas vezes. Agora imagine, um estranho, fardado ou não, falando muitas vezes para você não faça isso, não faça aquilo. Então, acredito que muitas vezes o conflito entre a sociedade e a Polícia Militar é por isso. Mas, sempre que o “bicho pega” como a gente costuma falar, esse indivíduo vai chamar a polícia. A Polícia Militar tem credibilidade sim, não quer dizer que ela não é criticada.

JP – O senhor mesmo falou no início desta entrevista que foi criado pela avó. Quando falou que iria seguir a carreira na Polícia Militar ela não ficou com o pé atrás?

WGFO – Ela só ficou com o pé atrás porque eu tinha que ir embora. Se eu fosse ficar do lado dela não tinha problema.

JP – O senhor já teve medo de morrer ou algum membro de sua família, em razão da sua função?

WGFO – Não. Até hoje não. É mais fácil o policial morrer em bico do que em serviço. A maioria das estatísticas, envolvendo São Paulo, Rio de Janeiro, revela que as mortes policiais se dão em funções extra-corporação. Então, geralmente o policial morre no bico, não é na função, como por exemplo, atuando como segurança particular. Por incrível que pareça, o policial fardado tem quase que uma mística de proteção. Ocorre morte, mas é bem mais difícil.

JP – Numa escala de 0 a 10 o senhor coloca a Polícia Militar em que patamar?

WGFO – Eu tento colocar no patamar 10, até porque eu sou comandante do policiamento da cidade aqui. Agora, a polícia de Mato Grosso do Sul se vocês forem ver a história dela, desde antes da divisão do estado, ela foi galgando a sua respeitabilidade aos poucos e hoje ela é uma polícia respeitada. O problema é quando se compara nossa polícia com a de outros estados que tem problemas, como a do Rio de Janeiro. A nossa polícia não tem nada a ver com aquela realidade, ela não tem aqueles problemas.

JP – O que é mais difícil? Combater os criminosos ou os policiais envolvidos com o crime?

WGFO – Eu inclusive já fui  comandante do Presídio Militar. São coisas diferentes. Agora, eu costumo dizer que o bandido, quando se veste de uma função, seja policial civil, militar, juiz, promotor, político, é o pior bandido. A gente não admite isso. Não pode o indivíduo usar da farda para fazer o crime. Muitas vezes elas entram com essa idéia já. Tanto é, que em todos os concursos, a gente pega um outro que já possui passagem pela polícia. Tenta inclusive usar o nome falso.

JP – Recentemente, tivemos mais um exemplo. O coronel Carvalho, envolvido em mais uma denúncia de integrar o crime organizado. Porque ele continua fazendo parte da corporação, mesmo tendo sido envolvido em vários crimes. Afinal, a polícia protege seus policiais quando eles estão envolvidos em crimes?

WGFO – O problema dos oficiais é outro. Quando é praça, o próprio comandante da Polícia Militar é que faz a exclusão. Quando é oficial é o Governo do Estado. Então esse processo do Coronel Carvalho, assim como outros casos, depende do governador determinar. A polícia pode provocar, mas vai depender sempre da atitude do governador que estiver exercendo o mandato naquele momento. Mas é aquela grande questão, tem outros oficiais daquela mesma época, criminosos, que foram expulsos. Tem vários. Se a gente for falar caso a caso, tem mais ou menos cinco ou seis casos. Então a gente não protege, pelo contrário, a gente disciplina mesmo. Só que quando se trata de oficiais, não depende do comandante geral que faz o processo, depende do Executivo Estadual.

JP – Já sofreu ameaça de morte?

WGFO – Eu acho que tenho sorte. Nunca passei um perigo extremo. Já me envolvi em ocorrências, até em luta corporal, inclusive aqui em Três Lagoas.

JP – Que ocorrência era essa?

WGFO – Foi envolvendo droga. Um indivíduo estava fumando maconha na lagoa e eu sempre estou de olho no povo de lá. Estava a paisana, falei para ele parar de fumar. Daí ele falou questionou e avançou para cima de mim. Tive que me defender. Me defendi e ele ficou no chão, depois foi algemado. Depois, fui saber que tratava-se de um guri de 15 anos, mas era mais alto que nós dois e mais forte.

JP – O senhor tocou num problema muito sério que é envolvimento de adolescentes com drogas. Qual é a solução para reverter essa onda de violência na cidade ligada às drogas?

WGFO – A lei. O problema está na lei. As polícias, a Justiça e o Ministério Público fazem o que tem que ser feito. Acontece que há uma lei muito benevolente para o viciado e acaba refletindo no traficante. Você fazer uma legislação que só vai punir o grande traficante é uma coisa que não vai atingir o objetivo, porque só tem o traficante, porque tem o usuário. Então a legislação tinha que perseguir o usuário. Tinha que ser muito drástica com o usuário.

JP – Qual a lei que o senhor imagina que deveria ser para um usuário de droga?

WGFO – Eu vou dizer como é em Cingapura. Lá simplesmente o indivíduo que é pego usando qualquer tipo de droga, ele tem uma pena de três meses em que ele não recebe remédio, mas recebe trabalho. Acorda 5 horas da manhã, ele marcha, ele vai quebrar pedra, vai construir estrada, construir escola. O detalhe que a reincidência é só de 1,5%. Praticamente não tem reincidência. O indivíduo que passa por esse sistema ele não volta mais a usar droga. Só o Brasil que fica com esse tipo de protecionismo. Até é ruim você dizer isso, acaba sendo criticado, mas é assim que funciona. Cingapura está no primeiro mundo, é um dos tigres asiáticos. E nós estamos aí.

JP – Falando em mundo. Qual é sua maior experiência profissional?

WGFO – Foi quando fui trabalhar na Missão de Paz da ONU em Moçambique, em 1994, onde fiquei até 1995. Lá conheci pessoas do mundo todo. Trabalhei com 52 nações. Tinha colegas do Egito, dos Estados Unidos, da Suécia, da Inglaterra, Paraguai, Bolívia. Então a gente acaba aprendendo mais ou menos um pouco de tudo com eles. Isso me ajudou muito até atualmente na minha profissão.

JP – E qual a lição que o senhor teve com essa experiência?

WGFO –  A principal lição foi de não discriminar nada. Os costumes alemães, africanos, entre outros povos, são diferentes. Então você acaba respeitando as diferentes culturas. Lá tinha muito mulçumano, por exemplo. Chegava 17h era um tal de rezar. No começo até atrapalhava, porque o serviço parava. Chegou um tempo que eu mesmo avisava. Eu tinha uma bússola e avisava o sol está para aquele lado, está na hora de vocês rezarem. Quanto estávamos na viatura, parávamos, até rezava junto com eles. Cheguei até freqüentar a Mesquita. Tem muito mulçumano lá em Moçambique. Gostei muito da companhia deles. E hoje se tiver que freqüentar esses locais vou com tranqüilidade, mantendo minha fé, minha religião.

JP – Para finalizar. Falando da realidade  de Mato Grosso do Sul, em especial de Três Lagoas, após esse apogeu industrial, qual é o raio x que o senhor faz da cidade?

WGFO –  Eu fui tenente daqui há uns 18 anos. Era uma cidade tranqüila, pacata. Tínhamos só duas viaturas e aquilo resolvia o problema. Tinha uma veraneio que sempre vivia quebrada, mas não tínhamos problema, porque não acontecia nada de grave. Agora, voltando 18 anos depois, esse boom econômico que aconteceu, realmente os problemas são os outros. Eu calculo que daqui uns cinco ou seis anos isso aqui vai ser um ABC, talvez não com o tamanho da região paulista, mas com seus problemas semelhantes. Hoje, o comandante da região, que envolve cinco cidades, tem que cuidar muito dessa pare de segurança, porque se você perder a mão agora… Por isso que esse negócio de ficar pedindo viatura, pedindo meios, exigindo para que tenha cursos aqui. Então é isso, a gente tenta expor aos poderes municipais, a Prefeitura, a Câmara, que é preciso munir a polícia de meios. Tanto a Civil como a Militar. Para não deixar bagunçar. Porque se bagunçar agora, daqui a 5 anos nós perdemos a guerra. Se agora, mesmo com dificuldades, a gente cuidar dessa parte, daqui a 5, a 10 anos, vai estar tudo bem.

JP – Para tranqüilizar a população sobre essa onda de violência, qual é o recado que o senhor dá para a comunidade?


WGFO – A população já observou que diminuiu todos os índices. Eu prometi isso no ano passado. Nós estamos no caminho certo e com mais equipamentos que recebemos, essas duas viaturas que recebemos da Prefeitura e da Câmara e mais uma do Governo, de mais alguma coisa que está chegando,  mais os soldados recém-formados, tudo isso garante uma certa tranqüilidade.

Dá para respirar um pouco melhor. Ainda não é o que a gente precisa. Estamos com uma defasagem do efetivo em mais de 40%. A gente quer completar isso até o final deste ano, começo do outro, mas já está dando para trabalhar. Espero receber mais coisas. Precisa.