Veículos de Comunicação

Entrevista

Esgotamento mental: população apresenta cada vez mais sintomas da doença 

Doutor em psicologia dá dicas valiosas para combater o desgaste mental que é causado pelo excesso de atividades do cérebro

O doutor em psicologia, reitor do Centro Universitário Católico de Tocantins (Unicatólica) e cofundador do Instituto Eipsi de Campo Grande, Gillianno Mazzetto - Divulgação
O doutor em psicologia, reitor do Centro Universitário Católico de Tocantins (Unicatólica) e cofundador do Instituto Eipsi de Campo Grande, Gillianno Mazzetto - Divulgação

Uma pesquisa realizada este ano pela Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP) aponta que uma em cada cinco pessoas que trabalham no mundo corporativo sofre com a Síndrome de Burnout no Brasil. A doença já é considerada como uma doença ocupacional, fazendo parte da Classificação Internacional de Doenças e Problemas Relacionados à Saúde (CID), pela Organização Mundial da Saúde (OMS).

O doutor em psicologia, reitor do Centro Universitário Católico de Tocantins (Unicatólica) e cofundador do Instituto Eipsi de Campo Grande, Gillianno Mazzetto, conversou com o Jornal do Povo sobre esgotamento mental.

O esgotamento mental é fruto do excesso de atividades do cérebro, que resulta em bloqueio, ansiedade e estresse. As situações de estresse e o cansaço são normalizados pela repetição do dia a dia, que liga o piloto automático e reproduz esse ciclo do esgotamento

Conseguimos dimensionar ascausas e porque de casos de ansiedade, depressão e Síndrome do Burnout têm aumentado tanto na pós-pandemia? 

GILLIANNO MAZZETTO A primeira questão que devemos pensar quando falamos disso é o porque a gente tem produzido tanto o esgotamento? É como se fosse um elástico que você estica e afrouxa, mas nesse estica e afrouxa chega um momento que ele arrebenta. A grande questão que produz isso é que cada vez mais o nosso modelo de sociedade é uma sociedade onde o suficiente nunca é bom. Então, o tempo todo você tem que ser não só o suficiente para aquele contexto, mas sim o melhor e isso tem produzido duas coisas importantes. A primeira é uma grande sensação de incompetência e ressentimento. Talvez, nós nunca vivemos tanto em uma sociedade que é a dos ressentidos. Parece que o tempo todo está sobrando falta de algo. Estamos vivendo a experiência de sermos seres faltantes. E para tentar suprir essa falta, que não é uma falta de coisas é uma falta de nós mesmos,temos acelerado o processo da vida e isso tem produzido o esgotamento. Somado a isso temos o excesso de futuro e um excesso de expectativa em relação a vida. Quando você tem um excesso de futuro e um excesso de expectativa em relação as coisas, você produz o fenômeno chamado ansiedade que nada mais é que esse grande movimento de ter uma expectativa muito elevada com relação a realidade que ainda não chegou. E quando isso não acontece, quando eu não alcanço essa expectativa que é muito alta, acelero e produzo o esgotamento, isso produz estágios que são os de sofrimento e depressão. É uma cadeia que é reforçada por dois princípios: o de que cada vez mais nos sentimos seres faltantes e que cada vez mais, para suprir esse buraco, a gente tem acelerado o processo da vida.

E o que está causando esse sentimento que sempre pensamos que não estamos fazendo o tanto que deveríamos fazer? 

MAZZETTO A régua da nossa expectativa é muito alta e cada vez mais ela está sendo aumentada. Por exemplo, quando usamos o WhatsApp costumamos acelerar as mensagens de áudio e, com isso, você vai acelerando as coisas na vida e o tempo todo parece que estamos precisando viver em ritmo acelerado e a expectativa só aumenta. Ontem, você precisava ser um bom pai, hoje você precisa ser o melhor pai. E o nosso modelo de sociedade é esse onde o melhor se tornou tão imperativo que hoje não buscamos ter uma vida, mas sim a melhor vida. Hoje, ser destaque em alguma coisa se tornou obrigação. E isso é o modelo que a gente vive da hipercompetitividade. E, com isso, criamos o “empreendedor de si mesmo”, ou seja, a pessoa coloca tanta carga em si que se não der certo ele se culpa muito e se der certo, pensa que não fez mais que sua obrigação e isso tem produzido a sociedade do cansaço.

Qual relação entre o sentimento de cansaço e a saúde mental?

MAZZETTO É a ausência que tem habitado em todos nós. Cada vez mais as pessoas tem se sentido sós. A sensação de solidão tem crescido na humanidade, pois cada vez mais nós estamos nos tornando seres incapazes de vínculos e onde não há vínculo habita a ausência.

É possível ter uma vida saudável mentalmente nos dias de hoje? 

MAZZETTO É possível. A primeira coisa que talvez nós consigamos fazer para desenvolver uma saúde mental é não se preocupar tanto com ela, mas sim, viver a própria vida de uma maneira equilibrada que é quando você descobre aquilo que é suficiente. Precisamos descobrir a suficiência para nossa vida e isso produz a saúde mental. 

Em meio a tantas cobranças por resultado, o que as empresas podem fazer para evitar que os funcionários fiquem doentes?

MAZZETTO A grande questão que as empresas precisam entender é que enquanto cultivarmos essa ideia de que precisamos crescer ilimitadamente isso vai produzir sofrimento, esgotamento e adoecimento. Uma sugestão é entender que os nossos recursos em uma escala produtiva têm um limite. A segunda coisa é entender que é possível encontrar um equilíbrio entre a demanda e a escala de produção. E a terceira é entender que cada ser humano é um valor que agrega na instituição. A partir disso a gente produz a capacidade de reconhecimento e, por sua vez, a produção de saúde.