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Três Lagoas

Ex-prefeito assumiu prefeitura num "período negro"

O entrevistado da semana é Darcy da Costa Filho, 66 anos

Na história recente de Três Lagoas, a renúncia do ex-prefeito José Pedro Batiston levou o médico pediatra, então vice-prefeito, Darcy da Costa Filho (66), também conhecido como “Costinha”, a assumir a Prefeitura Municipal, num período negro e conturbado da administração pública. A crise política, gerada por problemas de planejamento, falta de apoio da Câmara Municipal e queda da receita, se agravou com o atraso constante na folha de pagamento do funcionalismo público, que chegou a ficar até seis meses sem receber. Ao assumir, na noite de 12 de dezembro de 1995, dia da renúncia de Batiston, a prioridade do novo prefeito era colocar em dia o pagamento do funcionalismo público e recuperar o crédito dos fornecedores. Para tanto, precisou contrair empréstimo junto ao Banco Interfinance, no valor aproximado de R$ 350 mil.
Na entrevista desta semana, o ex-prefeito Costinha revela, pela primeira vez, passados 14 anos, detalhes desses pouco mais de 365 dias em que foi prefeito de Três Lagoas e, principalmente, das dificuldades em recuperar a credibilidade política e financeira da Prefeitura Municipal. “Já nessa época, era para vir para Três Lagoas a Mabel e outras grandes indústrias. Eles vieram aqui, mas perceberam que a situação política no município não era nada boa”, contou. “Foram embora. Graças a Deus voltaram”, completou.
Além da política, o ex-prefeito Costinha comenta também sobre o atendimento do serviço médico-pediátrico e das dificuldades que as Administrações Municipais têm passado para encontrar e contratar profissionais nessa área da saúde pública.

JP: O senhor é nascido em Três Lagoas e estudou em Curitiba, no estado do Paraná. Como foi sua volta à Cidade natal para iniciar sua carreira de médico?

Costinha: Formei-me médico pela Universidade Federal do Paraná, em 1972. Terminei a especialidade em pediatria, em 1975, quando retornei a Três Lagoas, que precisava, naquela época, de médico pediatra. O único que tínhamos era o doutor Walter Augusto Martinho, que me acolheu como amigo e colega de profissão. Por ser daqui, tudo ficou mais fácil e o campo de trabalho foi se abrindo aos poucos.

JP: Como o senhor ingressou na Saúde Pública e quem era prefeito naquela época?

Costinha: Não houve empecilho algum. O saudoso senador Ramez Tebet era prefeito naquela época. Não tínhamos a estrutura que temos hoje na Saúde. Fui também bem acolhido no Hospital Nossa Senhora Auxiliadora. Na Saúde Pública, era só o doutor Walter Martinho e eu como pediatras.

JP: E como o senhor ingressou na política?

Costinha: Com a saída de Ramez Tebet da Prefeitura (1975-1978), assumiu Altair Cabral Trannin (1978-1979). Em seguida, foi nomeado Lúcio Queiroz Moreira como prefeito da Cidade (1979-1982). Na administração do Lúcio, eu passei a trabalhar em uma Coordenadoria de Saúde Pública, que funcionava dentro da estrutura da Secretaria de Assistência Social. Naquele tempo não existia Secretaria de Saúde. Posso dizer que esta foi a minha entrada na vida pública e na política.

JP: Por quanto tempo o senhor permaneceu nessa chamada Coordenadoria?

Costinha: Com a nomeação do José Lopes como prefeito (1982-1985), ele me escolheu para coordenar a Saúde do Município. Naquele tempo, nem tínhamos um lugar só nosso para nos reunirmos. Era uma estrutura muito pobre. Os únicos atendimentos públicos que existiam era onde é hoje o PAB, mas bem pequeno, comparado com o que tem lá hoje, e um outro postinho do governo do Estado, em Jupiá. Tinha também um outro posto da LBA, onde hoje está construído o Senai. Praticamente, a saúde pública era responsabilidade só do Estado.

JP: O município de Três Lagoas, nessa época, era área de segurança nacional e os prefeitos eram nomeados. Como foi essa transição, quando os prefeitos começaram a ser eleitos pelo voto popular?

Costinha: O último prefeito nomeado pelo Governo Militar foi o Batiston (José Pedro Batiston), que sucedeu o José Lopes e administrou a Cidade, por menos de um ano (8 de abril a 31 de dezembro de 1985). Nesse ano, tivemos eleições diretas para prefeito e vice-prefeito. Foram as primeiras eleições diretas depois da Revolução Militar de 1964. Eu era do PDS e o nosso candidato a prefeito era o Altair Cabral Trannin. Infelizmente, ele adoeceu e veio a falecer. Na última hora, para substituir o Altair, o partido lançou-me candidato a prefeito para concorrer com Antônio João Campos de Carvalho, Miguel Jorge Tabox e Chico Brambatti. Os dois candidatos mais fortes eram o Antônio João e o Tabox. O Antônio João foi o eleito e administrou a Cidade no período de 1986 a 1989. O primeiro Secretário Municipal de Saúde foi o José Augusto Morila Guerra, nomeado por Antônio João.

JP: Qual o prefeito que começou a dar destaque administrativo à Saúde?

Costinha: O prefeito Antônio João foi quem criou a Secretaria Municipal de Saúde. Na administração dele começou o trabalho de estruturação da Saúde, mas foi no governo do Miguel Tabox que a Saúde Municipal começou mesmo a caminhar por conta própria. Derrotado nas urnas pelo Antônio João, o Tabox  (1989-1992) volta candidato a prefeito e vence as eleições. Com ele, concorreram o Akira Otsubo e a Bel do PT. Fui coordenador da campanha política do Tabox e do Batiston como vice, uma campanha que durou mais de quatro meses. Ao tomar posse,  Tabox nomeou-me Secretário da Saúde.

JP: O que foi feito na Cidade, quando o senhor era secretário da Saúde, no tempo do Tabox?

Costinha: Foi uma época em que a Cidade teve um excelente crescimento urbanístico e social. Eu tive sorte, porque o Ministro da Saúde daquela época, Alceni Guerra (1990-1992) no governo Fernando Collor de Mello, era meu amigo pessoal. Fomos colegas de turma na Faculdade de Medicina e fizemos residência médica juntos. Através dele, Três Lagoas conquistou muita coisa para a Saúde. Entre elas podemos citar a construção do Centro Odontológico, Unidade Mista de Saúde do Arapuá, Centros de Saúde de Santa Luzia e do Parque São Carlos e ainda a ampliação do antigo Postão, construído no governo de Garcia Neto, quando éramos o Estado de Mato Grosso.

JP: Nas eleições seguintes, o senhor foi candidato a vice-prefeito, na chapa encabeçada por Batiston. Como foi a campanha?

Costinha: Em 1992, último ano do governo do Miguel Tabox, foi lançada a candidatura de Batiston a prefeito e me escolheram como candidato a vice-prefeito. Éramos de um partido pequeno, o PTR e os adversários eram fortes. Concorremos com Marco Lúcio Trajano dos Santos, Juraci Falco, candidata do PMDB, e a Bel, candidata do PT. A campanha política foi tranqüila e achávamos que a disputa ficaria entre o Marco Lúcio e a Juraci Falco. Nas últimas semanas, a Juraci caiu e o Marco Lúcio subiu nas pesquisas. Mas, no fim, acabamos ganhando por uma pequena margem de votos.

JP: Como foi a sua atuação como vice-prefeito?

Costinha: No início, como sempre ocorre, foi tudo muito bem. Sempre fomos muito amigos, o Batiston e eu. No primeiro ano, assumi até uma secretaria de governo, mas acabei me afastando, porque percebi que o vice-prefeito nada ou pouco manda na administração. Notei que a coisa não andava bem, mas não conseguia fazer nada.

JP: Quando começou a crise no governo do Batiston?

Costinha: A Cidade esperava muito do Batiston, pela sua experiência política e administrativa. Ele tinha sido prefeito por um ano e tinha sido também vice do Tabox, que foi bem sucedido como prefeito. No final do segundo ano do seu mandato (1993-1995), a crise começou para valer e ele acabou renunciando para evitar a cassação, na manhã do dia 12 de dezembro de 1995.

JP: O que levou Batiston a renunciar?

Costinha: Na época, eu estava completamente afastado da Prefeitura. Por causa do grave acidente da minha filha, tive que acompanhar o seu tratamento e recuperação, em Ribeirão Preto (SP), onde tive que ficar, por mais de três meses. Acompanhava à distância e fiquei sabendo que os problemas iam se acumulando. Por falta de planejamento, começou a agravar-se a crise financeira. Os salários dos servidores atrasaram e os fornecedores não recebiam. Para complicar mais ainda a situação, Batiston sofreu pesada oposição da Câmara Municipal, que começou a tramar a sua cassação. Foi terrível. Não teve saída. Ou saía por bem ou saía por mal.

JP: A renúncia de Batiston pegou o senhor de surpresa ou estava preparado para assumir a Prefeitura no lugar dele?

Costinha: Numa semana antes de estourar a bomba, vários amigos me avisaram e aconselharam que eu me preparasse para assumir. Não acreditava nessa possibilidade, mesmo porque confiava no Batiston e acreditava até que ele poderia sair dessa. Mas, o aviso oficial veio na tarde do dia 12 de dezembro e tomei posse à noite.

JP: Quais foram as primeiras medidas que o senhor tomou como prefeito?

Costinha: Tinha consciência que tinha apenas pouco mais de um ano para tentar consertar toda aquela insatisfação geral que se criou na época. A decepção era geral e ninguém mais acreditava na administração pública municipal. O primeiro trabalho foi reorganizar os auxiliares do prefeito. Havia um descontentamento geral. Ficaram o secretário de Saúde (José Pinto), que já havia trabalhado comigo, e a secretária da Educação, escolhida pela classe dos professores e também muito eficiente e capaz, a professora Marisa Salim. O segundo passo foi reunir todos os vereadores e compartilhar com eles a responsabilidade de reerguermos o crédito da administração. Com isso, passei a contar com o total apoio da Câmara Municipal.

JP: Em algum momento o senhor também teve vontade de renunciar para não precisar enfrentar tantos problemas?

Costinha: Vontade deu, mas pensei comigo: “Eu também fui escolhido pela população, através do voto democrático e livre. Também tenho compromissos com a minha Cidade. Tenho que fazer alguma coisa”. Sabia que muita gente havia votado no Batiston por causa de mim. Quando a gente pensa assim, aumenta a responsabilidade. 

JP: Como prefeito, qual era sua principal preocupação, no decorrer do seu curto mandato?

Costinha: Além da população em geral, totalmente decepcionada com o prefeito e com o fracasso da administração, encontrei todo o funcionalismo desmotivado por falta de pagamento. Existiam mais de três folhas de pagamento em atraso. Como vivíamos numa época de inflação, o servidor público sofreu muito nessa época. A minha principal preocupação era pagar o salário do servidor público. Por isso tudo o que entrava era guardado para a folha de pagamento e para pagar os fornecedores de serviços vitais, como Saúde e Educação. Aos poucos conseguimos reduzir, mas infelizmente, não acabar com o atraso nas folhas de pagamento.

JP: A Prefeitura estava “quebrada” financeiramente e sem crédito na praça. Como o senhor conseguiu empréstimo bancário e onde foi aplicado esse dinheiro?

Costinha: Como disse antes, nossa prioridade era amenizar o grave problema do atraso dos salários dos servidores. Após várias reuniões na Prefeitura e com os vereadores, decidimos contrair um empréstimo junto ao Banco Interfinance, em torno de R$ 350 mil. Com esse dinheiro, conseguimos diminuir o número das folhas atrasadas. O empréstimo foi embasado em legislação federal e tinha fins específicos. O Município não poderia ter contraído essa dívida se não cumprisse as exigências legais previstas naquela época. Foi um empréstimo legal, aprovado pela Câmara Municipal. Os problemas aconteceram depois, por falta de pagamento, porque não foram cumpridos os acordos contratuais.

JP: Tem gente que diz que o dinheiro do Interfinance foi para pagar as despesas dos ônibus escolares, os chamados “amarelinhos”, que acabaram virando sucata. O que o senhor diz desses comentários?

Costinha: Apesar das várias distorções que muita gente tem feito sobre isso, nunca tive oportunidade de manifestar-me na Imprensa para dar a minha versão sobre isso. Agradeço a oportunidade. Na época, bem posterior ao empréstimo bancário, chegou até nós a notícia que havia a possibilidade de conseguirmos a doação de ônibus escolares da “Santiago Câncer Fundation”, uma entidade americana. Eles estavam doando transporte escolar e até ambulâncias às cidades de países em desenvolvimento. Cidades de Santa Catarina, Espírito Santo e também a nossa vizinha Ribas do Rio Pardo haviam recebido esses ônibus. Providenciamos toda a documentação e nos foram doados 12 ônibus. Precisávamos apenas arcar com as despesas de transporte e documentação. Tudo foi feito com a devida participação e aprovação da Câmara Municipal. Os 12 ônibus nos custaram pouco mais de R$ 130 mil. Os recursos foram usados com o dinheiro dos royalties da Cesp. Motoristas da Prefeitura trouxeram esses ônibus, rodando, do porto de São Francisco do Sul (SC) até Três Lagoas, sem qualquer problema mecânico. Eles serviram por vários anos, mas alegaram que era onerosa demais e não compensaria a substituição de peças. Infelizmente, viraram sucata.

JP: Quais as marcas que o senhor deixou da sua administração?

Costinha: O que mais me deixou feliz foi conseguir construir o prédio da Biblioteca Municipal Prefeito Rosário Congro. É um projeto de engenharia da Unesp de Ilha Solteira, com a participação do engenheiro e advogado Luiz Eduardo de Pádua Congro, na época vereador. O projeto está pronto para se construir um grande anfiteatro no segundo piso, já que os alicerces e a laje de concreto foram feitos para essa finalidade. Orgulho-me também de haver conseguido a aprovação da Câmara Municipal para cessão da área onde hoje está construído o Centro de Formação Profissional “José Paulo Rímoli”. Graças aos insistentes pedidos do Rímoli, que vinham se arrastando há mais de 10 anos, conseguimos trazer o Senai para Três Lagoas. Conseguimos também através de Decreto a desapropriação da área onde hoje está a o colégio da Funlec.

JP: Como o senhor avalia a administração da prefeita Simone Tebet?

Costinha: A prefeita Simone governa a Cidade com os pés no chão e com muita força política. Ela tem obtido sucesso e a Cidade vem ganhando com isso. Estamos atravessando uma outra realidade, diferente daquela que vivemos quando fui prefeito. Não fora a crise política que existia naquela época, o processo de desenvolvimento industrial, iniciado com o Issam Fares, com a vinda da Mabel, já teria começado antes. Os donos da Mabel e outros empresários bons estiveram em Três Lagoas na época do Batiston. Ao perceberem a crise política, eles desistiram.

JP: O senhor continua sendo médico pediatra na Saúde Pública?

Costinha: Trabalho no hospital Regional da Unimed e sou pediatra na unidade Básica de Saúde de Santa Luzia, há muitos anos. Hoje a Saúde Pública está bem, apesar das dificuldades e falta de profissionais, principalmente, pediatras. O número de pediatras, em todo o País, está caindo assustadoramente, por falta de estímulo e atrativo profissional.

JP: Por que a Prefeitura não consegue resolver o problema de defasagem de pediatras na Cidade?

Costinha: O problema está na baixa remuneração do pediatra. Infelizmente, esta é uma realidade nacional, que precisa ser urgentemente solucionada, antes que essa especialidade médica termine. Sobram vagas nas Faculdades de Medicina e estão diminuindo as turmas de pediatras que se formam. Eles estão optando para a UTI neo-natal, porque este profissional possui mais valor agregado. O pediatra, infelizmente, ganha somente pela tabela de consulta médica e isso não é justo. No serviço público municipal de Três Lagoas, somos apenas oito pediatras e sete de hospital, porque o doutor Walter realiza apenas consulta. É muito pouco para atender dois hospitais e 10 unidades de Saúde. Para trabalhar das 6 horas às 18 horas, a proposta salarial é de apenas R$ 7 mil. Se continuar assim, Três Lagoas terá problemas com a falta de pediatras.