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Gleisi absolvida

A Lava Jato, por representar uma nova matriz processual no nosso território (ela segue a lógica do plea bargaining da Justiça norte-americana, que não tem nada a ver com a velha Justiça francesa do século XIX, ainda vigente, em regra, no nosso país), vem sendo aplaudida pela população majoritária. O Novo Brasil requer a submissão de todos à lei. Mas ainda são evidentes suas fragilidades.

Gleisi Hoffmann, Paulo Bernardo (seu marido) e Ernesto Kluger foram processados porque teriam cometido dois crimes: corrupção passiva e lavagem de dinheiro. Dinheiro vindo das bandalheiras na Petrobras (R$ 1 milhão) teria sido repassado por Paulo Roberto Costa (ex-diretor da empresa), a pedido de Paulo Bernardo, à campanha de Gleisi de 2010 (para o Senado).

A 2ª Turma do STF (19/6/18), por unanimidade, absolveu todos eles dos delitos citados. Por maioria (Toffoli, Gilmar e Lewandowski), decidiu-se pela absolvição de Gleisi em relação ao delito de caixa dois (uso de dinheiro em campanha sem a devida declaração à Justiça eleitoral).

Todos os ministros enfatizaram corretamente o texto legal. Leia-se: só delações, ainda que cruzadas , jamais podem condenar qualquer pessoa. Além das delações, são necessárias “provas externas”. Nessa lição a Lava Jato deve prestar muita atenção. É um absurdo fechar delações sem as devidas comprovações externas (que vão além das falas dos réus). Não há espaço para subjetividades nem emocionalidades. Muito menos para perseguições indevidas. Ou tem prova ou não tem. Se não existem provas externas, não se deve dar a negociação por concluída.

O grave problema dessas delações vazias é que elas não combatem eficazmente a desgraça da cleptocracia brasileira (capitaneada pela esquerda, pelo centro ou pela direita), que se infiltrou e se apropriou de parte do Estado. Nós temos que combater duramente o uso ilícito das estatais (eliminando inclusive muitas delas) para o financiamento de campanhas eleitorais. Que se aprenda a lição: delações sem provas externas não ensejam a condenação de ninguém.

No Brasil, cleptocrata cria-se uma empresa pública (a vaca leiteira, quando administrada por critérios políticos) e nomeia-se para sua direção uma pessoa “de confiança” (o arrecadador) que faz as tramoias com as empresas privadas (superfaturamento de contratos com Odebrecht, JBS etc.), arrancando-se daí o dinheiro (o combustível) para o financiamento das campanhas eleitorais. Nós temos que varrer do nosso cotidiano vergonhoso a venalidade das eleições. Nos países com oligarquias corruptas e perversas (oligarquias econômicas, políticas e financeiras), as eleições servem para perpetuar a podridão no poder. Esquerda, centro e direita, no Brasil, sempre fizeram isso. É hora de se promover a devida faxina.

Os donos corruptos do poder seguem à risca o ensinamento de Maquiavel: “tudo” deve ser feito para se conquistar e manter o poder. O “tudo”, no submundo depravado dos donos corruptos do poder, envolve mega-roubalheiras do dinheiro público para se ganhar as eleições.

A Lava Jato tem tudo para ser um marco civilizatório porque ela está dizendo que ninguém está acima da lei. Nem os poderosos. Mas é preciso que seja aprimorada continuamente e que respeite o Estado de Direito vigente. Não pode ser seletiva nem escandalosa. Deve ser eficiente, porque ainda há milhares de ladrões para serem empobrecidos e irem para a cadeia. O Brasil necessita dessa limpeza. Por isso que a Lava Jato não pode falhar.

*É jurista, professor de Direito e escritor.