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Três Lagoas

?Não existe crime perfeito?

A entrevista da semana é com o perito criminal Milton César Fúrio

A entrevista da semana é com o representante da Unidade Regional de Perícias e Identificação de Três Lagoas, o perito criminal Milton César Fúrio.
Com 37 anos, natural de Pacaembú (SP), Fúrio se formou em Farmácia Bioquímica e quando assumiu a perícia local foi estimulado a cursar Direito. “A profissão é muito abrangente,  temos que conhecer de tudo um pouco”, destacou. Ele afirma que sua mãe só tem filhos peritos. O mais velho trabalha em Dracena (SP) e o mais novo trabalha em Sinop (MT). Fúrio começou o trabalho na Perícia de Três Lagoas há nove anos. Para ele não existe crime perfeito, tudo depende do grupo que está envolvido com a investigação. Já trabalhou em soluções de crimes complexos como o assassinato do ex-prefeito Miguel Tabox e atualmente trabalha no caso do assassinato do jovem Conrado Buratto. “Este último caso também é complexo, mas muito em breve chegaremos à autoria”, afirmou.

Jornal do Povo: Qual é a função da Perícia Criminal?

Milton César Fúrio: A função da perícia se divide em três elementos básicos. A primeira é verificar a ocorrência ou não do fato. A segunda é materializar aquilo, ou seja, o que ocorreu, como ocorreu, quando ocorreu. A terceira é quando se possível apontar a autoria e falar “quem cometeu esse crime foi fulano de tal”. Tudo isso para fazer um laudo pericial e encaminhar para o Fórum para ser apreciado pelo juiz. A gente trabalha quando ocorre crime, para materializar crime. Acidente de trânsito que não há vítima não há perícia. A função do perito criminal é buscar a atividade delitiva. Trabalho diretamente com o Judiciário, posso receber requisição direto do juiz, da defensoria pública, e da polícia. A confecção de requisição não é vinculada somente à polícia, é bem mais abrangente.

JP: Qual a situação da perícia em Três Lagoas?

Fúrio: A situação é antes de 15 de outubro e depois de 15 de outubro [chegada de quatro novos peritos e três médicos legista, antes havia apenas dois peritos e um médico legista]. Agora eu posso fazer uma escala constitucional. Poderemos trabalhar do jeito que o Código do Processo Penal preconiza, cumprindo prazos e fazendo atendimentos aos locais. Antes disso não havia pessoal, a atividade era bem debilitada, os prazos não eram cumpridos. Havia muitas ocorrências e acabava que não conseguíamos atender a todas.

JP: A situação relativa aos Recursos Humanos foi suprida. E como está a Perícia local com relação a Recursos Materiais?

Fúrio: Recursos materiais nós temos projeto. A construção da Unidade Regional de Perícias e Identificação e do novo Instituto de Medicina e Odontologia Legal (IMOL). Com pouco mais 300 metros quadrados, a previsão da Agesul aponta que em agosto do próximo ano já teremos a unidade construída. A obra está em processo de licitação.

JP: Relate uma atividade pericial mais intrigante.

Fúrio: No caso do assassinato do Miguel Tabox a perícia foi fundamental, fizemos aproximadamente uns cinco trabalhos periciais. Teve degravação [extrair de áudio arquivos que foram gravados], exame mecanográfico [constatar se um bilhete realmente foi escrito numa determinada máquina de escrever], teve o local em si que deu para constatarmos bastante coisa. Geralmente num crime dessa natureza há quatro ou cinco perícias. No caso, a esposa do Miguel Tabox em conluio com o advogado do próprio marido e o filho do advogado armaram o assassinato. Contrataram dois pistoleiros para assassinar o Miguel. Este foi um caso complexo.
O mais recente foi o assassinato do Conrado e estamos usando praticamente a mesma linha do caso Miguel Tabox, ligando uma informação com outra. O trabalho da perícia é baseado em evidências para chegarmos à prova material. A prova material está sendo buscada, o celular dele está conosco, o computador também está em posse da perícia. Já fizemos local, temos projétil. Algumas informações já surgiram. A autoria vai aparecer muito em breve. É um caso complexo. O computador dele foi encaminhado para a Capital e o exame não voltou ainda. As senhas de msn, e-mail e orkut devem ser quebradas. Temos que pedir quebra de sigilo eletrônico para as operadoras dos aplicativos. Sabemos que ele usava muito o Msn, se caso aparecer algum desafeto ou algo que remeta a alguma discussão, Campo Grande mandará no laudo os nomes e essas pessoas serão investigadas. A Delegacia de Investigações Gerais (DIG) fará o meio de campo neste processo. A perícia na maioria das vezes não faz o trabalho sozinha e sim com um grupo de pessoas.

JP: Alguns exames essenciais são mandados para central em Campo Grande. O que dá para se fazer diretamente em Três Lagoas?

Fúrio: Aqui nós fazemos o local e o que vai aparecendo. Informações que vinculem a uma pessoa local. Para Campo Grande mandamos exames específicos como exame de balística [caminho do projétil até a chegada no corpo da vítima e a arma que foi utilizada], aqui não há equipamento para isso. Não seria viável a confecção desses exames em Três Lagoas. O volume é pequeno e o custo dos equipamentos é muito alto. Por isso tais exames se concentram na Capital. São vários setores: o de balística forense, o de perícias especiais [para onde foi mandado o computador do Conrado], laboratórios forenses de DNA. Já tivemos vários casos que a prova surgiu pelo DNA.

JP: Quais os fatores mais importantes para um trabalho pericial eficiente?

Fúrio: O mais importante de tudo é a preservação do local do crime, a população deve se atentar a isso. Se preservarem direitinho vão ter a resposta que esperam. Um monte de coisas que poderíamos levantar perdemos, porque a população não entende essa necessidade. A coisa mais simples do mundo é você pisar numa cápsula de munição num local de crime, na terra, por exemplo, pisou não acha mais. Dá um trabalho danado ter que peneirar uns dois ou três metros cúbicos de terra para achar a prova do crime.
Uma mecha de cabelo, uma digital, uma gota de sangue ou uma arma elucida um caso. Um indivíduo chega ao local e pega na arma, destrói a digital e fica marcada a dele que não tem nada a ver com o crime. Para vítimas de estupros aconselhamos comparecer à delegacia o mais rápido possível, sem tomar banho nem trocar de roupa. No novo prédio vamos ter uma ala específica para o atendimento a esse tipo de vítima.

JP: Qual o maior número de casos atendidos pela perícia local?

Fúrio: O que mais ocorre é furtos e arrombamentos. Toda vez que isso acontece é solicitado um laudo pericial. Registramos mensalmente em torno de 60 furtos. É o que mais toma tempo. Antigamente como não dava tempo selecionávamos os casos mais graves, agora com o aumento do contingente vamos materializar tudo. Se formos analisar os homicídios, estatisticamente parecem poucos, mas com relação aos habitantes estamos batendo a fronteira. A maioria dos homicídios ocorridos na cidade envolve pessoas com vida pregressa relacionada ao tráfico de drogas, formação de quadrilha e roubo. Raros casos fogem dessa realidade.


JP: O que a função lhe acrescentou na vida pessoal?

Fúrio: Muito conhecimento nas mais diversas áreas, é uma profissão muito abrangente. Trabalhamos na área de engenharia, na área química e jurídica. Tanto que, quando comecei a trabalhar era farmacêutico bioquímico e fui fazer Direito. Em casa todo mundo é perito: eu e mais dois irmãos. Um foi puxando o outro, sou o do meio. Minha mãe só tem filhos peritos. O mais velho trabalha em Dracena (SP) e o mais novo trabalha em Sinop (MT).


JP: Existe crime sem solução?

Fúrio: Depende de quem está envolvido com aquela investigação. Dificilmente. Para mim não há crime perfeito. O índice de soluções em Três Lagoas por parte da Perícia tem sido bastante satisfatório. Para se trabalhar no apontamento de autoria temos que ser multidisciplinar. Muita coisa que materializamos nasceu de uma investigação. Também há vários casos de investigação que partiram de coisas que materializamos. Qualquer detalhe pode ser uma evidência. Absolutamente nada e nenhuma hipótese é descartada.