Veículos de Comunicação

Três Lagoas

?O trêslagoense não acredita na Cidade?

A afirmação é do empresário José Paulo Rímoli, um dos primeiros a apostar na Cidade

O empresário José Paulo Rímoli foi um dos primeiros a apostar na Cidade. Influenciado pela paixão do pai, chegou ao Município na década de 60. Trabalhou como gráfico no Jornal do Povo e, em 80, montou sua própria empresa. Hoje, a Rímoli Rótulos e Formulários Contínuos é uma das maiores empresas da região. Para ele, o segredo é procurar um ramo que domine e arriscar-se.

Jornal do Povo – Como o senhor vê o processo de industrialização de Três Lagoas?

José Paulo Rímoli – Três Lagoas está passando por o mesmo que Campinas (SP) passou na década de 50 (eu vim de lá). Então, hoje estão chegando empresas e multinacionais. E Três Lagoas, guardadas as devidas proporções de tamanho até, tem o mesmo padrão que foi Campinas.

JP – O senhor acredita que Três Lagoas irá se transformar em uma Campinas?

JPR-  Eu acredito. Quando eu estava lá em Campinhas, o assunto era o mesmo. Eles não queriam retirar a Anhanguera (rodovia) de lá, porque acreditavam que iria matar Campinas. Ela passava por dentro da cidade. E para você ver, saiu a Anhanguera e ficou do mesmo jeito. Ficou até melhor”.

JP: Quando o senhor começou a trabalhar em Três Lagoas e qual o segredo para se transformar em um grande empresário?

JPR – Comecei em 63. Em janeiro de 63. Eu trabalhava no Jornal do Povo (risos), como gráfico. Anos depois montei minha própria empresa. Não há receita para o sucesso. É o destino. Eu confio muito em destino. Mas tem que lutar por ele também. Não adianta sentar e ficar esperando ele bater à porta.

JP – Ainda em relação ao processo de industrialização, hoje nós vemos pessoas de fora investindo na Cidade. O três-lagoense despertou para este leque de possibilidades que ele possui?

JPR: O três-lagoense não acredita na Cidade. Ele nunca acreditou. É como se fosse um filho com o pai e com a mãe. Uma comparação: você não vê seu filho crescer. Teu filho está com um ano, dois anos. Todo mundo nota o quanto ele cresceu, mas a mãe e o pai não. Não que eles não saibam, mas eles não conseguem enxergar o filho crescendo. O mesmo acontece com a Cidade. É como aquele ditado: “santo da terra não faz milagres”

JP – O senhor acredita que o trêslagoense desperte para esta nova realidade?

JPR – É possível.  Mas tem que arriscar-se. Todo empresário arrisca, e bastante. Quando surge um financiamento, ele tem que agarrar, tem que acreditar. Nenhuma empresa investe do próprio bolso. Ninguém tem dinheiro livre para montar uma empresa ou uma indústria. Então, tem de ser à base do financiamento. Agora, quem vai retirar dinheiro para montar uma empresa, tem que conhecer o ramo em que vai investir. Eu sempre bato nessa tecla. A pessoa chega ao banco e diz que quer montar uma padaria só porque viu outra padaria cheia de gente e às vezes nem tem as técnicas de padeiro, de empresário. Por isto que essas empresas pequenas abrem e dentro de um ano fecham. Não é do ramo. Ela tem que fazer o que sabe. Normalmente, o filho ou a filha acaba seguindo a carreira do pai. Por que? Porque conhece o ramo, ele sabe tocar. Sem observar este lado o empresário não irá conseguir.

JP – Há muitas empresas de pequeno porte decretando falência em Três Lagoas?

JPR – Não. Aqui parece uma cidade abençoada. Você quase não vê falência. Eu pelo menos não conheço lojas que fecharam por decretarem falência.

JP – Quando o senhor começou, quais foram as dificuldades enfrentadas?

JPR – A primeira dificuldade foi relacionada a equipamentos. A gente não tinha equipamentos de primeira, não tínhamos dinheiro para adquirir bons maquinários. Depois fomos modernizando com o tempo. Hoje, temos de formulário contínuo e de rótulos e etiquetas, que é uma das máquinas mais modernas do mundo. Eu tive de arriscar. A de rótulos e etiquetas estamos arriscando ainda. Tivemos que colocar um escritório em São Paulo, porque o preconceito é de mais. Quando chegamos lá para vender. Eles respondem que só trabalham no eixo Rio de Janeiro/ São Paulo. Então, para conseguir o cliente, temos que mostrar para eles que temos uma equipe em São Paulo também.

JP – Qual o motivo deste preconceito em relação a Três Lagoas?

JPR – O pessoal acha longe. Acha que Três Lagoas fica muito longe [do eixo]. Apenas depois que passam a trabalhar com a gente, começam a acreditar. Mas para atrair estes clientes, temos que provar que temos know-how, mostrar que temos câmera de vídeo espalhadas por toda empresa e que permite de lá, apresentar toda a empresa. Também temos um sistema de segurança forte para esta máquina. Apenas seis pessoas, além de nós [diretoria], estão autorizadas a entrar na sala. Tudo isto é apresentado ao cliente em visitas. Dificilmente, o cliente entrega um pedido sem conhecer a nossa estrutura. E é o que a gente quer. Para provar para ele, que o produto sairá melhor até do que o dele. Não que sejamos melhores que os outros, mas o nosso equipamento é muito bom.

JP – Quando o senhor montou a empresa Rimolí em Três Lagoas?

JPR – Foi em 1985. Começamos com oito funcionários e hoje temos quatro vezes mais

JP – Falando agora de qualificação profissional, o senhor foi um dos que lutou para trazer o Serviço Nacional de Aprendizado Industrial (Senai) para Três Lagoas. Porque?

JPR – Justamente baseada na primeira pergunta que eu respondi. Sempre achei que Três Lagoas ia acompanhar a industrialização de Campinas e como que vai industrializar uma cidade sem mão-de-obra? Não adianta fazer propaganda de mão-de-obra em abundância, tem, mas tem que qualificar. Não adianta pegar a mão-de-obra e jogar lá.

JP: Desde quando o senhor chegou aqui já sabia que Três Lagoas ia ter este “boom”, de onde veio esta certeza?

JPR: Por conta do meu pai. Quando ele era viajante, vendia fumo de corda e ia até Corumbá, ele parava aqui em Três Lagoas e sempre dizia que aqui era uma terra prometida. Ele sempre acreditou na Cidade. Era uma paixão. E que ele pararia aqui quando se aposentasse. E foi assim que ele fez. Veio para cá e está sepultado aqui.

JP – Qual a importância do Senai para o desenvolvimento de uma Cidade?

JPR: Aconteceu um fato gozado uma vez. Nós esperávamos um empresário no aeroporto da Cidade, ainda era o Issam [Fares] o prefeito. Logo na escada, na descida do avião, o empresário falou: tem Senai na Cidade? Respondemos que sim. E ele disse “se não tivesse, nós já íamos embora”. Se não tem, não adianta. Os empresários não vem. O Senai também foi quem atraiu as outras instituições ligadas ao Sistema S.

JP – Mesmo assim, não foi fácil conseguir implantar o Sistema S na Cidade. Como foi este processo?

JPR – Não, não foi fácil. Nós sempre marcávamos uma audiência com os prefeitos e os diretores do Senai, mas chegava na hora os prefeitos não nos atendiam. Vinham os diretores do Senai para cá e eles, não sei por qual motivo, não nos atendiam. Até que o prefeito Darcy da Costa Filho assumiu e, no discurso de posse, ele disse que as portas da Prefeitura estariam abertas para pessoas que levassem sugestões para melhorar Três Lagoas. E eu fui até lá. E comentei, “estou aqui pelo que o senhor disse ontem, eu quero o Senai”. Ele respondeu: “Mas o que você precisa?”. Daí eu disse que precisaria do terreno na rua José Amílcar Congro Bastos, na Vila Nova. Ele aceitou. Fui à Campo Grande, marquei uma nova audiência, mas o Senai me disse que agora queriam por escrito. Retornei a Três Lagoas, busquei o ofício, esta é a cópia dele [disse mostrando o livro “Uma Vida de Sucesso Contínuo”, biografia do empresário escrita por Rômulo Wendell] e voltei para lá. O oficio foi datado no dia 5 de janeiro de 1996, um ano depois o Senai foi inaugurado.

JP – O senhor qualificou os seus profissionais no Senai?

JPR – Não, porque não tem equipamentos lá. Eu qualifiquei aqui mesmo. Trouxe dois profissionais do Senai de fora e através deles, qualificamos o restante.

JP -: O senhor acredita que os empresários passaram a apostar na qualificação profissional?

JPR – A mentalidade do empresário mudou, é outra. Ele está precisando de mão-de-obra qualificada. Tanto que o Sistema S como um todo está formando muitos profissionais.

JP – E os jovens, o senhor acredita que eles estão despertos para esta necessidade de qualificação?

JPR – Eu até comentei isto outro dia, o meu sonho agora é realizar um trabalho junto à população ribeirinha. Na beira dos rios, há filhos de caseiros que vem estudar na Cidade e depois, eles retornam de ônibus, e ficam sem fazer nada à tarde. Eu quero que eles permaneçam na Cidade o dia todo. Almocem aqui e aprendam uma profissão no período contrário às aulas.

JP – O senhor é a favor da lei que proíbe o trabalho de adolescentes?

JPR – Eu sou contra. O governo lançou esta lei do menor e do adolescente baseando-se em carvoarias, em trabalhos pesados para os menores. Mas, o menor tem que ter uma qualificação. Ele tem que começar de pequeno, 14, 15 anos, a aprender uma profissão, como eu aprendi, como outros aprenderam, senão ficará na rua. Se ele não aprender uma profissão até os 15 a 18 anos, ele não vai aprender mais. Esta lei precisa ser revista. É um absurdo quando dizem que um crime foi cometido por um adolescente de 17 anos. Dezessete anos é um homem.

JP- O senhor acredita que se houvesse mais adolescentes inseridos no mercado de trabalho, o índice de violência envolvendo adolescentes seria menor?

JPR – Seria muito menor. Tem que dar uma ocupação para estas crianças. Eu não digo adolescentes de 12 anos, mas de 14 anos para cima já poderiam começar a ter uma carreira. E eles querem também. Muitos garotos aparecem na empresa pedindo emprego, mas não podemos pegar. Não tem jeito. Por isto, volto a falar da questão dos ribeirinhos. Eles ficam ali sem fazer nada, pode passar lá agora. Eles namoram, tem um exemplo de um rapaz de 17 anos que tem um filho com uma garota de 13, do rancho vizinho. Ele não tem emprego este menino, estuda aqui na Cidade, como que faz? E Um levantamento da Promoção Social mostrou que há 596 crianças e adolescentes na região dos ranchos, dos dois lados, filhos de caseiros. É um número elevado. E o pai que quer fazer o filho estudar, tem que perder o emprego lá, que é um emprego bom, e vem para a cidade. Isto aqueles pais que ainda tem consciência sobre a importância da educação dos filhos. Daí ele começa procurar emprego aqui, começa a pagar água, luz, aluguel, o que antes era livre.

JPR – O senhor acha que tem como resolver o problema da população ribeirinha?

JP – Não está difícil. Temos o Senai, agora o Crase [Centro de Referência de Assistencia Social e Educacional] aqui próximo. Com estes suportes, o garoto sai do curso já empregado. O diploma do Senai, por exemplo, é uma chave para o futuro. Muitas empresas grandes só contratam o profissional se ele tiver o diploma do Senai. E a mentalidade dos jovens também mudou. Eles querem se qualificar.

JP – A Rímoli também inovou com a implantação de caixas com motivos da fauna do Pantanal. Porque?

JPR – Nós adoramos Três Lagoas, Mato Grosso do Sul, e a gente procura fazer tudo que for possível para mostrar Três Lagoas. Cada medida de caixa, tem um motivo do pantanal diferente. Foi muito bem aceito. O pessoal não joga fora as caixas. Usam como arquivo morto.

JP – Hoje está em discussão a implantação do Museu da Três Lagoas. Como o senhor vê esta tentativa de resgate da cultura três-lagoense paralela ao processo de industrialização?

JPR – Este museu faz tempo que está para ser montado. Inclusive meu filho fez parte da iniciativa para tentar montar este museu. Mas naquela época não havia apoio do poder público, como há agora. Mas esta iniciativa é muito importante. Mostrar para o neto o que o avô fez, por exemplo.