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Apple é uma das empresas mais fechadas do mundo

Com presença quase nula em redes sociais e lançamentos misteriosos, empresa contraria tendência de maior transparência corporativa

Quem visita as maiores feiras de tecnologia do mundo, como a Consumer Electronics Show, realizada todo início de ano em Las Vegas (EUA), vê os lançamentos das maiores fabricantes de computadores, smartphones e tablets, mas sente falta de uma empresa. Apesar de haver estandes abarrotados de capas protetoras e acessórios para o iPhone e o iPad, a Apple nunca está presente na feira.

Já as concorrentes, como a Samsung e a LG, usam essas grandes feiras como vitrines para seus principais lançamentos. Enquanto isso, a Apple apresenta seus produtos em poucos eventos, alguns deles em sua própria sede, em Cupertino (EUA).

No Brasil, a empresa é ainda mais discreta. Com sede em São Paulo e poucos funcionários, raramente promove eventos no País. A venda dos produtos acontece por meio de sua loja virtual própria ou dos 47 revendedores da marca, alguns com lojas dedicadas à Apple, como a A2You, iPlace e MyStore.

Da mesma forma que ocorre entre os funcionários da Apple, o silêncio impera também entre os parceiros da empresa. “Não podemos falar nada sobre a Apple, nem sobre seus produtos”, respondeu a revenda iPlace ao ser procurada pelo iG. Todas as maiores revendas da Apple foram procuradas pela reportagem, mas nenhuma aceitou comentar sobre a atuação da Apple no Brasil. Fornecedores também adotam a mesma postura.

Empresa reflete fundador

A política de empresa fechada da Apple sempre foi uma das marcas de Steve Jobs, seu co-fundador e ex-CEO, falecido no início de outubro. Desde a fundação da empresa, Jobs sempre defendeu produtos totalmente fechados e independentes de outras companhias, além do sigilo pré-lançamento – que era considerado pelo executivo como fator importante para preservar o impacto dos produtos no mercado.

No ano passado, após o vazamento de um protótipo do iPhone 4, a empresa processou as pessoas envolvidas e barrou o blog que divulgou as fotos do aparelho de seus eventos. Este ano, após o problema ter acontecido novamente com o iPhone 4S, a empresa acionou a polícia de San Francisco (EUA) para tentar recuperar o aparelho perdido e evitar o vazamento de informações.

A Apple também faz jogo duro quando o assunto é a legislação dos países em que atua. Na África do Sul, Brasil e Costa Rica, por exemplo, a empresa não vende games por meio da App Store, loja de aplicativos para iPhone e iPad, devido a um impasse com os governos locais quanto à classificação indicativa dos games. Em vez de continuar fazendo, sozinha, a classificação do conteúdo, a empresa teria que adotar o método usado nesses países.

“Em se tratando da Apple, que não permite que as pessoas usem um cabo diferente do seu para conectar o iPhone ao computador, não é difícil acreditar que a empresa se recuse a atender uma legislação brasileira”, diz Davi Pires, diretor-adjunto do Departamento de Justiça, Classificação, Títulos e Qualificação (Dejus) do Ministério da Justiça.

Nova era, velhas práticas

Quando o assunto é a comunicação com os clientes, a empresa também se mantém fechada. Nem o avanço das redes sociais fez a Apple mudar de estratégia. “Apesar do culto que existe em torno da marca, a Apple é uma das empresas mais fechadas do mundo digital”, diz Gil Giardelli, CEO da Gaia Creative e professor do Centro de Inovação e Criatividade da Escola Superior de Propaganda e Marketing (ESPM).

A Apple mantém somente algumas contas no Twitter dedicadas à iTunes Store, loja de músicas e vídeos que ainda não funciona no Brasil, e à App Store, loja de aplicativos para dispositivos Apple. Contudo, apenas sugestões de aplicativos, músicas e vídeos são publicadas por meio dos perfis – nada de novidades sobre a empresa e seus produtos. A empresa não tem uma página oficial no Facebook ou no Google+.

Segundo Giardelli, a postura da Apple sobre as redes sociais é contrária à mudança de comportamento de diversas empresas de tecnologia, que se esforçam para se tornar cada vez mais abertas. É o caso do Google, que mantém blogs para cada um de seus serviços. “Os executivos do Google também são cobrados pela presença nestas redes sociais”, diz Giardelli.

Outra empresa que, embora com mais de 100 anos, decidiu se adaptar ao mundo digital foi a IBM, uma das primeiras concorrentes da Apple. A empresa se tornou um caso de sucesso no uso de redes sociais para comunicação interna e externa e, desde 1997, estimula os mais de 400 mil funcionários a usar novas ferramentas da web. “A IBM foi considerada recentemente como a maior blogueira do mundo”, diz Giardelli. Atualmente, funcionários da IBM mantêm 17 mil blogs em todo o mundo.

Ainda não está claro para os especialistas por que a Apple continua tão fechada, apesar da crescente popularidade de seus produtos. Para Giardelli, se os executivos da empresa não mudarem de postura, os comentários dos clientes, em especial as reclamações, podem criar uma imagem da empresa na web diferente da desejada em longo prazo. “A Apple deveria se tornar produtora de conteúdo e ditar as tendências em vez de ser levada pela maré”, diz Giardelli.

Novo CEO pode mudar rumo

Com a morte de Jobs, o escolhido para assumir a Apple foi Tim Cook, até então diretor de operações da empresa. Apesar de o executivo ter recebido diretrizes para serem seguidas na gestão da empresa antes de Jobs se afastar, alguns analistas apontam que Cook pode tornar a Apple uma empresa mais aberta.

Segundo o jornal The Washington Post, desde agosto, Cook segue os conselhos de analistas para “criar seu próprio caminho” à frente da Apple. Apesar de poucas mudanças administrativas, que incluíram dividir a área de educação em duas equipes (vendas e marketing), o novo CEO da Apple já fez algumas mudanças consideradas “culturais” por alguns analistas.

Entre elas, o executivo apresentou o primeiro programa de filantropia da empresa em conjunto com os funcionários – algo que Jobs, que nunca fez uma doação pública, era contra. A partir de setembro, doações de até R$ 17,8 mil (US$ 10 mil) realizadas por funcionários terão valor igual doado pela Apple à mesma instituição. Trata-se apenas de um primeiro passo para “relaxar” a gestão até então adotada por Jobs.

Para Giardelli, que ainda é cético em relação à mudança de cultura na Apple, pouco deve mudar com a liderança de Cook. “Engenheiros que assumiram o cargo de CEO em grandes empresas, como a Compaq, não fizeram um grande projeto de comunicação”, diz o consultor.